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sexta-feira, 10 de julho de 2020

CANABIDIOL e EPILEPSIA


O uso do CBD conseguiu barrar a progressão da epilepsia em modelo animal. Crédito: Pixabay
Canabidiol pode ajudar a impedir progressão da epilepsia, mostra estudo
Em ratos geneticamente modificados para apresentar sintomas de epilepsia,
 tratamento crônico com a substância bloqueou o desenvolvimento de
 novas crises


Por: Marcelo Canquerino

Pesquisa feita em modelos animais para epilepsia (ratos geneticamente modificados para

 apresentarem os sintomas) mostrou que a administração crônica do canabidiol (CBD), 

conseguiu evitar a progressão da doença. Os resultados do estudo – feito na Faculdade de

 Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP – apontam que o tratamento com essa substância

 derivada da Cannabis sp. impediu o recrutamento de novas áreas cerebrais no processo que 

dá origem à epilepsia em novas partes do cérebro. Por isso, evitou-se o aparecimento de crises 

límbicas (mais graves e associadas a estruturas do cérebro como hipocampo, amígdala e córtex) 

no modelo que imita o tipo de epilepsia mais frequente em humanos, que é a do lobo temporal.

A epilepsia é uma doença complexa na qual há perturbação da atividade das células nervosas 

cerebrais, sendo caracterizada pela ocorrência de crises epilépticas. Simplificadamente, essas 

crises são manifestações no paciente de um “mal funcionamento” em um ou mais conjuntos de 

neurônios no cérebro.
Atualmente, o canabidiol já está sendo utilizada em pacientes para tratar a epilepsia – 
Foto: Wikimedia Commons



William Lopes, atualmente aluno de doutorado em Neurologia/Neurociências pela FMRP, é um 

dos pesquisadores responsáveis pelo trabalho. Lopes contou que o modelo genético utilizado foi

 a linhagem Wistar Audiogenic Rat (WAR), animais que vêm sendo selecionados pela sua maior

 predisposição às crises epilépticas. Os estudos são realizados no Laboratório de Neurofisiologia

 e Neuroetologia Experimental (LNNE), dirigido pelo seu orientador, o professor Norberto 

Garcia-Cairasco.
Os animais da linhagem WAR desenvolvem crises epilépticas quando expostos a estímulos

 sonoros de alta intensidade (120 decibéis) e, por esse motivo, as crises são denominadas 

“audiogênicas”. “Quando expostos a estímulos agudos (intensos e breves), os animais 

apresentam crises controladas pelo tronco encefálico, chamadas tônico-clônicas e, quando

 expostos a estímulos crônicos (menos intensos, mas prolongados), manifestam as crises 

límbicas, aquelas mais severas e semelhantes às crises epilépticas do lobo temporal que são 

vistas em pacientes com a doença”, 

explicou o biólogo ao Jornal da USP.

No estudo, o tratamento com canabidiol foi capaz de prevenir o surgimento das crises límbicas. 

Além disso, quando raramente ocorriam, as crises eram menos intensas. “O tratamento crônico

 conseguiu frear a progressão da doença, impedindo o recrutamento de novas áreas do cérebro

 e bloqueando as crises límbicas”, conclui o pesquisador.
Análise comportamental e de tecido

Inicialmente, o efeito bloqueador foi observado a partir de análises no comportamento dos 

animais, sendo confirmada uma atenuação das crises. Outra verificação desse efeito foi por 

meio de uma técnica laboratorial que detectou, em tecidos cerebrais do animal, uma proteína 

específica, a FosB. Essa proteína se acumula e pode ser quantificada em neurônios ativados

 cronicamente como na situação característica das crises epilépticas.

O canabidiol é um dos compostos dentre os mais de 400 presentes na Cannabis – 
Foto: Pixabay

Outra análise feita durante a pesquisa concentrou-se na avaliação de como as crises crônicas e 

o tratamento com canabidiol (CBD) podem estar modulando, nos próprios neurônios, a 

expressão de receptores canabinoides do tipo 1 (CB1). O CBD participa da modulação de

 diversos processos cerebrais através de muitos mecanismos. Um deles é o do sistema

 endocanabinoide, composto pelos canabinoides endógenos (produzidos pelo próprio corpo) e seus receptores clássicos: CB1 e CB2.

Segundo Lopes, alguns estudos mostram que, em pacientes com crises crônicas, os receptores

 CB1 têm sua expressão alterada em algumas áreas do cérebro, como aquelas importantes para 

a ocorrência das crises límbicas. O resultado observado na pesquisa foi que o tratamento com 

canabidiol atenuou o aumento da expressão dos receptores CB1 nas crises crônicas.

Importância do estudo em modelos pré-clínicos

O canabidiol é uma substância que se apresenta como alternativa interessante para o estudo

 da epilepsia em modelos pré-clínicos, mas que hoje já está sendo utilizada em pacientes. De 

acordo com Garcia-Cairasco, “modelos pré-clínicos nos dão vantagens por antecipar possíveis 

efeitos, eventualmente até os efeitos colaterais, que seriam observados nos pacientes”.

No caso desta pesquisa, outro aspecto positivo é o fato do modelo conseguir imitar, mesmo que

 parcialmente, a complexidade da situação dos casos clínicos. “Além da susceptibilidade às 

crises epilépticas, os animais da linhagem WAR apresentam outras doenças neuropsiquiátricas,

 como aumento de ansiedade e características de comportamentos depressivos, entre outros. Há

 demonstrações claras de que pessoas com epilepsia também apresentam outros transtornos 

neuropsiquiátricos associados”, explicou o professor Norberto Garcia-Cairasco.

Desdobramentos

Uma extensa revisão acerca das pesquisas internacionais com canabidiol em modelos

 experimentais de epilepsia foi publicada em 2020 tendo Willian Lopes como primeiro autor e 

como o professor Garcia-Cairasco autor correspondente, na conceituada revista científica 

Neuroscience and Biobehavioral Reviews, onde são abordados os efeitos anticonvulsivantes do 

CBD, por meio de caracterização comportamental, em menor escala (ainda inicial) as 

abordagens eletroencefalográficas, e finalmente a busca por explicações de mecanismos de 
ação, devido a uma variedade enorme de possíveis vias e alvos por meio dos quais o canbidiol 
atuaria.

Os dados do doutorado de William Lopes também foram apresentados no final de 2019, em um 

Simpósio do Congresso da Society for Neuroscience, o maior evento de neurociência do mundo, 

em Washington D.C., e no Congresso da American Epilepsy Society em Baltimore.
Congresso Americano de Epilepsia realizado em dezembro de 2019 em Baltimore, Estados Unidos, onde Willian 

apresentou a pesquisa. Na foto, da esquerda para a direita: Marcio Furtado, doutor pela 

FMRP e hoje professor na University Services of the Health Sciences, Bethesda; Norberto 

Garcia-Cairasco; Willian Lopes; e o neurocirurgião Guilherme Podoslky – Foto: Cedida pelos

 pesquisadores

O Laboratório onde William desenvolveu a pesquisa possui vínculo com o Instituto Nacional 

de Ciência e Tecnologia de Medicina Translacional (INCT), que recebe apoio da Fundação de 

Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e dp Conselho Nacional de

 Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e que é o grupo líder das pesquisas com 

canabidiol no cenário brasileiro e internacional. Junto com o INCT, e com auxílios e bolsas da

 Fapesp, do CNPq e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), 

o Laboratório de Neurofisiologia e Neuroetologia Experimental também executa investigações 

sobre canabidiol e análogos. Atualmente, Lopes encontra-se finalizando estágio sanduíche de 

seu doutorado (Capes-Print-2019) no Laboratório do professor Patrick Forcelli na Georgetown 

University em Washington, nos Estados Unidos.

Mais informações: e-mail william.lopes@usp.br, com William Lopes; e e-mail ngcairas@usp.br,

 com Norberto Garcia-Cairasco

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