
Canabidiol pode ajudar a impedir progressão da epilepsia, mostra estudo
Em ratos geneticamente modificados para apresentar sintomas de epilepsia,
tratamento crônico com a substância bloqueou o desenvolvimento de
novas crises
novas crises
Por: Marcelo Canquerino
Pesquisa feita em modelos animais para epilepsia (ratos geneticamente modificados para
apresentarem os sintomas) mostrou que a administração crônica do canabidiol (CBD),
conseguiu evitar a progressão da doença. Os resultados do estudo – feito na Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP – apontam que o tratamento com essa substância
derivada da Cannabis sp. impediu o recrutamento de novas áreas cerebrais no processo que
dá origem à epilepsia em novas partes do cérebro. Por isso, evitou-se o aparecimento de crises
límbicas (mais graves e associadas a estruturas do cérebro como hipocampo, amígdala e córtex)
no modelo que imita o tipo de epilepsia mais frequente em humanos, que é a do lobo temporal.
A epilepsia é uma doença complexa na qual há perturbação da atividade das células nervosas
cerebrais, sendo caracterizada pela ocorrência de crises epilépticas. Simplificadamente, essas
crises são manifestações no paciente de um “mal funcionamento” em um ou mais conjuntos de
neurônios no cérebro.
Atualmente, o canabidiol já está sendo utilizada em pacientes para tratar a epilepsia – Foto: Wikimedia Commons
William Lopes, atualmente aluno de doutorado em Neurologia/Neurociências pela FMRP, é um

dos pesquisadores responsáveis pelo trabalho. Lopes contou que o modelo genético utilizado foi
a linhagem Wistar Audiogenic Rat (WAR), animais que vêm sendo selecionados pela sua maior
predisposição às crises epilépticas. Os estudos são realizados no Laboratório de Neurofisiologia
e Neuroetologia Experimental (LNNE), dirigido pelo seu orientador, o professor Norberto
Garcia-Cairasco.
Os animais da linhagem WAR desenvolvem crises epilépticas quando expostos a estímulos
sonoros de alta intensidade (120 decibéis) e, por esse motivo, as crises são denominadas
“audiogênicas”. “Quando expostos a estímulos agudos (intensos e breves), os animais
apresentam crises controladas pelo tronco encefálico, chamadas tônico-clônicas e, quando
expostos a estímulos crônicos (menos intensos, mas prolongados), manifestam as crises
límbicas, aquelas mais severas e semelhantes às crises epilépticas do lobo temporal que são
vistas em pacientes com a doença”,
explicou o biólogo ao Jornal da USP.
No estudo, o tratamento com canabidiol foi capaz de prevenir o surgimento das crises límbicas.
Além disso, quando raramente ocorriam, as crises eram menos intensas. “O tratamento crônico
conseguiu frear a progressão da doença, impedindo o recrutamento de novas áreas do cérebro
e bloqueando as crises límbicas”, conclui o pesquisador.
Análise comportamental e de tecido
Inicialmente, o efeito bloqueador foi observado a partir de análises no comportamento dos
animais, sendo confirmada uma atenuação das crises. Outra verificação desse efeito foi por
meio de uma técnica laboratorial que detectou, em tecidos cerebrais do animal, uma proteína
específica, a FosB. Essa proteína se acumula e pode ser quantificada em neurônios ativados
cronicamente como na situação característica das crises epilépticas.

O canabidiol é um dos compostos dentre os mais de 400 presentes na Cannabis –
Foto: Pixabay
Outra análise feita durante a pesquisa concentrou-se na avaliação de como as crises crônicas e

O canabidiol é um dos compostos dentre os mais de 400 presentes na Cannabis –
Foto: Pixabay
o tratamento com canabidiol (CBD) podem estar modulando, nos próprios neurônios, a
expressão de receptores canabinoides do tipo 1 (CB1). O CBD participa da modulação de
diversos processos cerebrais através de muitos mecanismos. Um deles é o do sistema
endocanabinoide, composto pelos canabinoides endógenos (produzidos pelo próprio corpo) e seus receptores clássicos: CB1 e CB2.
Segundo Lopes, alguns estudos mostram que, em pacientes com crises crônicas, os receptores
CB1 têm sua expressão alterada em algumas áreas do cérebro, como aquelas importantes para
a ocorrência das crises límbicas. O resultado observado na pesquisa foi que o tratamento com
canabidiol atenuou o aumento da expressão dos receptores CB1 nas crises crônicas.
Importância do estudo em modelos pré-clínicos
O canabidiol é uma substância que se apresenta como alternativa interessante para o estudo
da epilepsia em modelos pré-clínicos, mas que hoje já está sendo utilizada em pacientes. De
acordo com Garcia-Cairasco, “modelos pré-clínicos nos dão vantagens por antecipar possíveis
efeitos, eventualmente até os efeitos colaterais, que seriam observados nos pacientes”.
No caso desta pesquisa, outro aspecto positivo é o fato do modelo conseguir imitar, mesmo que
parcialmente, a complexidade da situação dos casos clínicos. “Além da susceptibilidade às
crises epilépticas, os animais da linhagem WAR apresentam outras doenças neuropsiquiátricas,
como aumento de ansiedade e características de comportamentos depressivos, entre outros. Há
demonstrações claras de que pessoas com epilepsia também apresentam outros transtornos
neuropsiquiátricos associados”, explicou o professor Norberto Garcia-Cairasco.
Desdobramentos
Uma extensa revisão acerca das pesquisas internacionais com canabidiol em modelos
experimentais de epilepsia foi publicada em 2020 tendo Willian Lopes como primeiro autor e
como o professor Garcia-Cairasco autor correspondente, na conceituada revista científica
Neuroscience and Biobehavioral Reviews, onde são abordados os efeitos anticonvulsivantes do
CBD, por meio de caracterização comportamental, em menor escala (ainda inicial) as
abordagens eletroencefalográficas, e finalmente a busca por explicações de mecanismos de
ação, devido a uma variedade enorme de possíveis vias e alvos por meio dos quais o canbidiol
atuaria.
Os dados do doutorado de William Lopes também foram apresentados no final de 2019, em um
Simpósio do Congresso da Society for Neuroscience, o maior evento de neurociência do mundo,
em Washington D.C., e no Congresso da American Epilepsy Society em Baltimore.
Congresso Americano de Epilepsia realizado em dezembro de 2019 em Baltimore, Estados Unidos, onde Willian

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