É realmente melhor correr descalço? Estudo
Um estudo conduzido por Peter Francis, do Instituto de Tecnologia Carlow (Irlanda) e por Grant Schofield, da Universidade de Tecnologia de Auckland (Nova Zelândia), reuniu evidências de que usar tênis muda a forma como corremos e enfraquece nosso pé de uma maneira que pode contribuir para muitas lesões esportivas comuns.
Dos pés descalços até os tênis de corrida: um histórico
Cerca de quatro a seis milhões de anos atrás, os humanos começaram a andar de pé. Ao longo do tempo, nos tornamos caminhantes e corredores de longa distância, algo possível graças a evolução de nossos pés arqueados, tendões de Aquiles longos e capacidade de esfriar nossos corpos através da transpiração.
Claro, toda essa caminhada e corrida de longa distância era feita com os pés descalços. Pelo menos até 30 mil anos atrás, quando os primeiros sapatos apareceram no registro histórico. No entanto, somente 100 anos atrás os cientistas notaram que calçados (os usados por motivos de moda) estavam alterando o formato dos nossos pés.
No que diz respeito a tênis de corrida, estes surgiram na década de 1970, época em que o primeiro tênis almofadado foi fabricado, comercializado em massa e anunciado como um calçado que poderia impedir lesões por corrida.
Era só marketing, ou havia alguma verdade por trás disto? Pelo menos dois estudos feitos na década de 1980 corroboraram essa narrativa: um sugeriu que os tênis de corrida eram o motivo da incidência reduzida de tendinopatia de Aquiles, e outro indicou que “calçados ruins” eram um fator de risco para fraturas por estresse.
Mas…
Recentemente, no entanto, os estudos têm descoberto o contrário. Por exemplo, em uma pesquisa anterior da qual Peter Francis também participou, a equipe concluiu que crianças de 12 a 19 anos da Nova Zelândia que corriam descalças (provas de velocidade e média distância) tinham menor prevalência de dor nos membros inferiores (joelhos, tornozelos e pés) em comparação com crianças de idades semelhantes de outros países.
Outra pesquisa encontrou diferenças na estrutura e função dos pés nas populações que andam descalças em comparação com populações que usam sapatos.
Baseado nestes resultados, a dupla do novo estudo conduziu uma revisão global de lesões por corrida em homens e mulheres para tentar ter uma visão mais ampla do assunto.
Eles descobriram que 35 a 50% dos corredores se machucaram pelo menos uma vez na vida, um número considerado alto para uma espécie adaptada à corrida de longa distância. As lesões mais comuns eram nos joelhos, canelas, tornozelos e pés. A maioria foi principalmente no osso ou tecido conjuntivo, cuja função principal é ajudar a transmitir força dos músculos para permitir o movimento.
Descobertas
No geral, a dupla descobriu que, quando o pé entra em contato com o solo, a pele, os ligamentos, os tendões e os nervos passam muitas informações para o cérebro e para a medula espinhal sobre a posição exata do pé, incluindo tensão, alongamento e pressão.
É a qualidade dessas informações que permite o controle preciso dos músculos para mover nossas articulações para uma posição que absorve o impacto e limita os danos. E é por isso que correr descalço é melhor do que correr usando um tênis “especializado”.
Segundo Francis, agora na Universidade Metropolitana de Leeds (Reino Unido), os resultados de seu novo estudo sugerem que calçados permitem que os corredores “aterrissem” no chão em uma posição corporal mais ereta com uma perna estendida, levando a forças de frenagem excessivas. Isso parece desempenhar um papel em algumas das lesões de corrida mais comuns.
Além disso, o uso diário de longo prazo de calçados leva a pés mais “fracos” e frequentemente a “arcos colapsados”. Porém, esse “dano” de usar sapatos pode ser reversível. Um estudo descobriu que o tamanho e força dos músculos dos pés aumentaram apenas oito semanas após uma pessoa usar um tênis minimalista – estes são mais semelhantes a andar descalço, ou seja, não amortecem choques.
Por fim, andar ou correr descalço também é a forma mais simples de treinar e melhorar a propriocepção, que é nossa consciência da posição e dos movimentos do nosso corpo. Esse tipo de treinamento, por sua vez, ajuda na estabilidade dos membros inferiores e cria força nos pés.
Os fatores em jogo
Enquanto pessoas que correm descalças parecem de fato ter menos lesões no joelho e dor no calcanhar em comparação aos corredores que usam sapatos, elas também relatam mais lesões na panturrilha e no tendão de Aquiles.
Segundo Francis, isso sugere que as pessoas que fazem a transição muito rapidamente de correr com tênis para correr descalço podem sobrecarregar seus músculos e tendões.
As lesões podem acontecer porque quem corre descalço geralmente dá passos mais curtos e flexiona mais o quadril, o joelho e o tornozelo, além de correr mais na ponta dos pés.
Lesões de corrida são causadas por diversos fatores, incluindo idade, lesões anteriores, índice de massa corporal e mudanças repentinas no volume de treinamento, de forma que é difícil apontar o dedo para o tênis de corrida ou para os pés descalços – esses não são provavelmente os únicos culpados por machucados.
Por fim, sapatos são uma coisa relativamente nova para nossa espécie, bem como nossos estilos sedentários de vida. É provável que esses fatores nos tornem menos condicionados a nos mover como fazíamos milhões de anos atrás.
Possivelmente, uma combinação de ficar mais ativo fisicamente, andar ou correr descalço com mais frequência e outros exercícios de condicionamento possam ajudar a prevenir lesões futuras.
Transição
Francis reconhece que abandonar o tênis de corrida pode não funcionar para todo mundo. Se você gostaria de começar a correr descalço, o pesquisador recomenda fazer uma transição primeiro, usando um tênis minimalista e andando descalço antes de correr, por exemplo.
Isso é especialmente adequado se você irá caminhar ou correr em temperaturas altas ou locais que podem ter objetos afiados no trajeto.
Vale observar que tênis minimalistas não são a mesma coisa que estar descalço, ainda que a mecânica utilizada pelos pés seja parecida, e dramaticamente diferente daquela utilizada com tênis de corrida, por exemplo.
Um artigo sobre o estudo foi publicado na revista científica BMJ Open Sport & Exercise Medicine. [ScienceAlert]
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