Pesquisar este blog

terça-feira, 15 de setembro de 2020

DESAFIOS DO MROSC (MARCO REGULATÓRIO DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL)

Desafios do MROSC em tempos de pandemia

Desafios do MROSC em tempos de pandemia

A publicação do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, o conhecido MROSC gerou grande impacto no cenário das relações entre os órgãos públicos e as entidades de assistência social. O processo de construção do marco se deu a partir do movimento de algumas organizações da sociedade civil. Cobravam do Governo parâmetros mais claros nas parcerias público-privadas.

Mas por que, ainda hoje, depois de quase 4 anos – no âmbito municipal – as entidades de assistência social ainda encontram tantas dificuldades no cumprimento desse marco legal?

Inicialmente, é necessário ressaltar que o marco foi uma construção coletiva de entidades públicas e privadas, que levou anos para chegar a uma versão publicada. Durante todo esse processo as organizações envolvidas podiam – e deviam – participar, opinar e auxiliar na forma final do MROSC. Esse formato visava justamente diminuir o impacto das novidades trazidas para as parcerias entre órgãos públicos e privados. No entanto, vários  fatores  dificultaram a participação das entidades de assistência social. Sobretudo as de atuação apenas municipal, de porte pequeno e médio. Esse texto pretende lançar um pouco de luz sobre esse assunto.

Vamos lá refletir sobre esse processo!

Curso MROSC Descomplicado: a Lei 13.019/14 sem juridiquês!

O processo de construção do MROSC

O processo de construção do MROSC foi fruto de uma ampla articulação.  Envolveu legisladores, representantes das organizações da sociedade civil e membros do governo federal, em nível nacional.

Antes da publicação da Lei nº 13.019/2014 não havia uma lei específica que regulasse as contratações entre as OSCs e a administração pública. Era utilizado o artigo 116 da Lei nº 8666/93. Esse artigo estabelece “normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. Dessa forma, além da insegurança jurídica, havia grande dificuldade em se avaliar os resultados da execução indireta das políticas públicas, dever do Estado.

Linha do Tempo do MROSC

É importante também localizar esse processo historicamente. Em 2011, o Governo Federal criou um Grupo de Trabalho Interministerial em resposta a articulação de um movimento das OSCs, que culminou no surgimento da Plataforma por um Novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil. Foi apontado por esse movimento a necessidade de se discutir um marco regulatório que atendesse as especificidades das relações entre as OSCs e a Administração Pública.

O GTI então elaborou diagnóstico e propostas para resolver os entraves jurídicos e institucionais que envolviam as OSCs e suas parcerias com os órgãos da administração pública. O grupo de trabalho foi composto por vários ministérios, órgão federais e por 14 organizações, com representatividade nacional, indicadas pela “Plataforma por um Novo Marco Regulatório para as Organizações Sociedade Civil”.

Foram realizados seminários e consultas públicas, com a finalidade de envolver a sociedade nas discussões. O resultado, após anos de debates e discussões foi a apresentação de uma minuta de projeto de lei. Essa minuta foi intensamente discutida no Congresso Nacional e em 2014 foi publicada a Lei 13.019.

A Lei não entrou em vigor em 90 dias conforme previsto, em função da mobilização de entidades públicas e representantes da sociedade civil, que embora reconhecendo os avanços da nova lei, alegaram a necessidade de um prazo maior para preparar a gestão das parcerias.

O prazo, então, foi estendido para 360 dias a fim de que os envolvidos pudessem se preparar e se adequar às mudanças trazidas pelo novo regime de parcerias. No entanto, após decorrido esse prazo, foi solicitado pelas organizações um novo adiamento do prazo, ficando para 23 de janeiro de 2016 a entrada em vigor da Lei.

Durante esse prazo a Lei nº 13.019/14 continuou alvo de intensos debates no Congresso e na sociedade civil e como resultado, em 2015,  a Lei nº 13.019/14 foi convertida na Lei nº 13.204/15. A nova lei alterou vários dispositivos e em especial trouxe o escalonamento para a entrada em vigor da Lei 13.019/14: 23 de janeiro de 2016, para União, Distrito Federal e estados, e janeiro de 2017 para municípios.

Em 2016, a Lei foi regulamentada por meio do Decreto Federal nº 8726/16 cujos dispositivos devem ser adotados nas relações com as OSCs por todos os órgãos do Governo Federal. As administrações públicas no âmbito estadual e municipal tem a opção de seguir as mesmas regras do decreto federal ou elaborar seus próprios decretos regulamentares, cuja finalidade é esclarecer e pormenorizar pontos da Lei, evitando dúvidas ou interpretações conflitantes sobre a norma.

As dificuldades de gestão e governança das Entidades de Assistência Social

Ainda hoje, grande parte das entidades de assistência social tem dificuldades de gestão, de governança, de sustentabilidade. Essas organizações sobretudo as de pequeno porte atuam apenas no âmbito municipal. Vivem em torno de garantir recursos para sua subsistência cotidiana. A inexistência de sustentabilidade mantém as entidades de assistência social, ocupadas diuturnamente com a captação de recursos para manter suas atividades.

Outro fator, é que a política de assistência social apresenta fragilidades históricas. A implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), na lógica da garantia do direito ainda é um enorme desafio, tanto para gestores públicos quanto para os da iniciativa privada. As entidades de assistência social possuem vínculo com o SUAS. Porém, muitas ainda não conseguiram ultrapassar as práticas assistencialistas que remontam sua fundação. Por isso, durante o processo de discussão e construção do marco as entidades de assistência social estiveram às voltas com as dificuldades de implantação do SUAS.

Observamos que muitas dessas entidades historicamente estão ligadas à assistência aos mais pobres. A Constituição Federal de 1988 elevou a Assistência Social à categoria de política pública. Contudo muitas entidades permaneceram vinculadas a sua missão de ajuda, caridade, beneficência. Houve, e ainda há, diversos entraves para que essas entidades de assistência social cumpram os requisitos e parâmetros da Assistência Social na lógica do direito. Esse fato impacta diretamente no cumprimento do MROSC por parte das entidades de assistência social.

O SUAS em tempos de Covid-19: o GESUAS já se reuniu com dezenas de especialistas para conversar sobre o papel e caminhos para o SUAS neste momento de pandemia. Assista!

Os parâmetros de atuação das OSC considerando os aspectos legais da Assistência Social

As organizações da sociedade civil passaram, a partir da implantação do SUAS, a ter a sua atuação regulada pelo Estado. Este assume a primazia na oferta da política de Assistência Social. Conta com a parceria das OSCs para complementar ou potencializar as ações que garantam o acesso da população aos bens e serviços sociais. São denominadas de Entidades ou Organizações de Assistência Social as organizações da sociedade civil cujas ações desenvolvidas foram reconhecidas pública e preponderantemente como de Assistência Social,  por meio da inscrição junto ao Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS).

Esse reconhecimento traz alguns benefícios para as OSC (imunidades e isenções), mas também gera um compromisso da Entidade com a oferta da Política Pública de Assistência Social, nos termos estabelecidos pela legislação e normas técnicas vigentes. As organizações da sociedade civil, reconhecidas como de assistência social, ofertarão suas ações utilizando todos os parâmetros das unidades públicas.

Parâmetros para as OSCs

As Organizações da Sociedade Civil que atuam no âmbito da Assistência Social passaram a ter que atuar pautadas por novos parâmetros:

  • Assistência social como direito e não mais como ajuda ou benemerência;
  • O Estado tem o dever de ofertar a assistência social, direta ou indiretamente, e as entidades podem ser suas parceiras. Porém, não podem mais atuar conforme suas próprias diretrizes e metodologia, isto é, passaram a ter que atuar de acordo com padrões estabelecidos nacionalmente e, em contrapartida, desenvolvendo sua missão institucional;
  • Inscrição no CMAS, no Cadastro Nacional de Entidades de Assistência Social (CNEAS) e possuindo vínculo SUAS, o que gera compromissos com a política pública,
  • O Estado que antes podia “repassar” recursos públicos, sem planejamento ou critérios de partilha passa a obedecer novos modelos de parcerias com entidades, considerando o diagnóstico e o planejamento do Município e a capacidade de atendimento das entidades

A relação público-privada

Como podemos observar, o SUAS trouxe enormes desafios para a relação entre os municípios e as organizações da sociedade civil, que atuam no âmbito da Assistência Social. Nesse cenário, participar da construção do marco parecia pouco possível, tanto para os órgãos públicos quanto para as entidades de assistência social. A não participação no processo trouxe o impacto de um marco que muitos sequer tinham ouvido falar. Assim, as mudanças indicadas na relação entre as secretarias de assistência social e as entidades de assistência social foram pouco entendidas, por ambas as partes.

Essas mudanças geraram grande desconforto e em alguns casos até decisões radicais, tais como o encerramento da oferta de serviços socioassistenciais, além de relatos de fechamento de algumas entidades.

As discussões em torno do cumprimento dos dispositivos da Lei nº 13.019/2014 (convertida para a Lei nº 13.204 em 2015) amplificou as dificuldades históricas de implantação do próprio SUAS. Ao longo do processo da entrada em vigor da Lei houve um grande embate. Por um lado, os municípios e as secretarias de assistência social e de outro as entidades de assistência social. Ambos acabaram por ter que discutir, em última instância as próprias dificuldades de implantação e execução do SUAS. As questões giraram muito em torno do que nem secretaria de assistência social e nem as entidades vinham cumprindo em relação aos princípios e diretrizes do SUAS.

Modelo de Formulário de Encaminhamento para CRAS, CREAS e SUAS em geral para download

O novo olhar trazido pelo MROSC

O MROSC trouxe a necessidade de (re) discutir diretrizes e objetivos da oferta da assistência social. Bem como, seus eixos estruturantes e parâmetros. Além disso, necessariamente, forçou a discussão do novo olhar sobre a relação público-privada. A discussão de funções e papéis de cada um. A implantação do MROSC pelos municípios forçou-os a resgatar os conceitos já apontados pelo SUAS e trazidos agora pela Lei nº 13.019/2014. Necessidade de parâmetros, gestão monitoramento, etc.

As entidades eram as protagonistas na oferta da assistência social. Por muito tempo, as únicas que ofereciam “ajuda aos pobres e desvalidos”. Com a implantação do SUAS “passaram” ao papel de parceiras do Estado na oferta da política de assistência social. O Estado passou a ter papel precípuo na oferta, entendida enquanto direito do cidadão.

“A assistência socialdireito do cidadão dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.”
Art. 1º da Lei nº 8.742/1993.

As organizações que recebiam recursos do Estado desenvolviam ações, em geral de cunho assistencialista. As organizações conveniadas permaneciam recebendo recursos públicos durante anos, sem monitoramento ou avaliação do seu trabalho. E, até mesmo, sem saber se o trabalho realizado de fato era prioridade para aquele território.

Os convênios, instrumento jurídico vigente até a publicação do  MROSC, eram estabelecidos com base nas relações políticas entre Governo e organizações. Assim, a rede socioassistencial permanecia inalterada, ainda que o diagnóstico indicasse a necessidade de novas ações do Estado.

O SUAS já exigia o monitoramento e a avaliação das ações executadas direta ou indiretamente, como forma de garantir o alcance dos objetivos. Mas essa cultura era bastante incipiente. O marco regulatório trouxe a exigência de constituição de comissões de monitoramento e avaliação, de indicação de gestor de parceria etc.  Além disso, estabeleceu ainda  outras questões em relação ao modelo anterior. O gestor público passa a ter que justificar a escolha das organizações que receberão recursos públicos, pautada em critérios técnicos e avaliação objetiva.

O projeto a ser executado pelas organizações passa a ter parâmetros que devem ser indicados em termos de referência. Ou seja, o Estado passou a ter que indicar aos possíveis parceiros, baseado em normativas técnicas e legais, como o serviço a ser contratado deve ser realizado. Atender esses e outros requisitos têm sido complexo para as entidades de assistência social. Por outro lado, definir esses critérios também tem se mostrado difícil para os órgãos públicos.

Os desafios para a implantação do MROSC

    • Superar a falta de conhecimento da Lei por parte de órgãos públicos e OSC;
    • Ultrapassar a dificuldade de entendimento dos casos de dispensa de chamamento público e exigências da aplicação da Lei para o restante do processo (credenciamentos/emendas parlamentares;
    • Construção de Termos de Referência que atendam as normativas da assistência social e as necessidades do município;
    • Entendimento do que são os Acordos de Cooperação e as possibilidades que podem abrir para as parcerias;
    • Construção de instrumentos simplificados a fim de garantir a essência da lei e os objetivos que a motivaram;
    • Elaboração de editais adequados ao MROSC.

Leia também: Lei n° 13.019/2014: Novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil

Conclusão

O MROSC trouxe, de fato, novos desafios para as entidades de assistência social. Porém esses desafios apenas foram potencializados. A implantação do MROSC revelou, ainda mais, a necessidade das organizações de se dedicarem a sua organização nos moldes mais modernos e eficientes de gestão e governança. Expôs a escassez de recursos das organizações. Mas, também trouxe muito claramente as fragilidades do poder público em cumprir seu papel. Apontou a ausência de capacitação, tanto dos gestores públicos quanto das OSC, em relação ao entendimento e a operacionalização do MROSC. E finalmente, demonstrou claramente as fragilidades históricas da implantação do SUAS.

O MROSC tornou-se excelente oportunidade para investimentos em educação permanente e continuada, como prevê o SUAS. Entendo que essa é a melhor forma, de agentes públicos e privados, passarem a compreender e aplicar o novo marco regulatório.  Cada qual na desempenhando suas funções e papéis conforme definidos no SUAS e no MROSC.

 https://www.gesuas.com.br/blog/desafios-mrosc-pandemia/?utm_campaign=informativo_150920&utm_medium=email&utm_source=RD+Station

Nenhum comentário:

Postar um comentário