TINHA UMA GUIMBA NO MEIO DO CAMINHO (21/8/2013)
O Globo
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Depois das baforadas, basta um peteleco para a guimba voar longe rumo a alguma fresta de pedra portuguesa, meio-fio ou asfalto. Quando não é apagado na sola do sapato, o resto de cigarro cai, aceso, no chão. E o fumante, livre do lixo, segue o seu caminho. a cena é comum no rio e ganhou destaque nas ruas do Centro hoje, o primeiro dia da Operação Lixo Zero, da prefeitura, que multa quem joga dejetos na cidade.
O hábito parece cristalizado em muitos fumantes de qualquer classe social, que, cada vez mais, precisam sair às ruas por causa da legislação que proíbe o fumo em locais fechados. Inclusive entre alguns fumantes que não jogariam qualquer outro resto na rua, mas, por alguma razão, pensam que guimba não é lixo.
Assim, canteiros com plantas, bueiros e pontos de ônibus, entre outros locais ou equipamentos urbanos, ficam cheios de filtros. Áreas privadas sofrem com o mesmo problema, e não raro playgrounds, toldos e andares térreos de prédios ficam repletos de bitucas. a partir de hoje, quem for flagrado por um guarda municipal cometendo essa infração deverá pagar R$ 157 de multa.
Apesar de ser um lixo quase imperceptível na hora em que é descartado, o filtro de cigarro traz diversos problemas ao meio ambiente, já que tem metais pesados em sua composição.
Segundo a Anvisa, o cigarro descartado polui até os oceanos. algumas consequências desse hábito são óbvias, como o risco de incêndios, e outras, inimagináveis para os dependentes da nicotina.
O economista e professor da PUC Sérgio Besserman exemplifica.
— Sou de uma geração que achava bacana ir à praia descalço. Hoje ninguém mais faz isso. Mas o meu querido amigo e companheiro bolo, meu cachorro cocker spaniel, ainda anda descalço e já pisou numa guimba de cigarro acesa. É muito chato — conta Besserman, que tenta entender a lógica de quem dá o peteleco fumegante. — a interpretação psicológica é uma aventura, mas quem fuma está preso ao vício, sabe que faz mal. Vejo nesse gesto alguém querendo escapar do cigarro num conflito interno entre o prazer e o risco. um gesto impulsivo, algo como “se eu não fizer agora, vou continuar”.
Para o economista, as multas podem funcionar como ocorreu na implantação do Código de Trânsito brasileiro, quando as pessoas passaram a usar o cinto de segurança com medo da multa. Hoje, diz ele, quando são raras as multas, os motoristas entenderam que o cinto é importante para que não se machuquem em acidentes.
No Centro do Rio, a promotora de vendas Luciene Zaria, de 32 anos, jogou guimba no chão da rua Uruguaiana justamente no primeiro dia de fiscalização. um guarda municipal e um agente da Comlurb correram até ela, que já entrava num edifício.
— a senhora jogou lixo no chão e, por isso, será multada. a senhora sabe que começou hoje a Operação Lixo Zero? — perguntou o agente da Comlurb.
— Vou ser multada porque não tinha aquela areia para apagar o cigarro na lixeira? poxa, espera aí! Se jogasse na caçamba ia pegar fogo — respondeu ela aos fiscais.
A desculpa é comum. Afinal, segundo essa lógica, é melhor o filtro no chão do que uma lixeira incendiada. Mas há sempre a opção de apagar antes de descartar o cigarro. O presidente da Comlurb, Vinicius Roriz, argumenta que o atual modelo de lixeira usado pela empresa oferece uma placa de metal justamente para isso:
— A função dessa placa é permitir que as pessoas apaguem ali antes de jogá- -lo no lixo. Infelizmente, por causa do vandalismo, muitas dessas placas acabam sendo arrancadas.
Agora, novas soluções são sempre bem-vindas, e acredito que as próprias fabricantes de cigarro deveriam se envolver nessa questão.
Professor de História na UERJj, André Azevedo diz que uma das explicações para tantas bitucas nas calçadas cariocas está no passado escravocrata brasileiro. Ele explica que, a partir do século XIX, quando o crescimento urbano se acelerou, a população passou a ser mais relapsa quanto ao seu lixo:
- Quase todo serviço público era prestado pelos escravos, como
recolhimento de lixo, calçamento, iluminação, fornecimento de água e limpeza das ruas. Isso provocou um relaxamento do homem livre, que podia sujar a rua e a própria casa, pois o escravo se encarregaria de limpeza. Faz parte da cultura da escravidão. Porcaria no rio é coisa de pobre, da classe média e dos ricos.
Médica do Instituto nacional do Câncer e coordenadora da Política Nacional de Controle do Tabaco do Ministério da Saúde, Tânia Cavalcante diz não conhecer estudos que expliquem o comportamento de quem joga guimba de cigarro no chão, mas avalia que a ação pode estar relacionada ao automatismo do consumo do cigarro. Ela explica que a dependência química, como o tabagismo, é hoje considerada uma doença do cérebro. Como a nicotina altera o funcionamento do cérebro das pessoas, o fumante faz coisas que não faria normalmente:
— um dos aspectos da dependência é o comportamento automático do consumo. Provavelmente a questão de fumar e jogar fora na rua pode estar nesse comportamento, que faz parte da dependência psicológica e física da falta de nicotina.
Já a vice-diretora da Ong Aliança de Controle do Tabagismo, Mônica Andreis, afirma que a maioria das pessoas costuma refletir muito sobre os danos que o cigarro faz à saúde, mas pouco pensa sobre seu impacto ambiental. por isso, ela acredita que muitos fumantes têm o hábito de descartar a bituca de cigarro no chão, como se não fosse lixo.
— a bituca é lixo, tem substâncias tóxicas, leva quase dois anos para se decompor e até cinco quando jogada no asfalto. Quando jogada na areia de praias, por exemplo, pode contaminar o solo e a água e prejudicar animais — explica Mônica.
A preocupação também chega ao governo federal.
Chefe da unidade de Controle de Produtos Derivados do Tabaco da Anvisa, André Luiz Oliveira explica que o filtro contém quase tantos elementos tóxicos quanto o próprio cigarro:
— São metais pesados como o chumbo e o cádmio, além da própria nicotina e de uma série de substâncias que causam câncer. Trata-se de um problema ambiental tremendo. Alguns organismos internacionais, inclusive, apontam que a maior parte da poluição marítima é provocada por guimbas de cigarro, que são de difícil degradação e contaminam animais.
O diagramador Milton Marinho, de 48 anos, foi outro fumante que recebeu multa nesta terça-feira por jogar uma guimba de cigarro no chão em frente ao Edifício Largo da Carioca, no número 10 da rua Uruguaiana. após conversar com os agentes, que o interpelaram na entrada do prédio, onde trabalha, Marinho disse achar justa a punição.
— Eu ouvi falar da operação, mas estou tão atarefado que esqueci o dia do início dela. Agora terei que pagar R$157 por um esquecimento bobo. Eu apoio a operação. Precisamos ter mais cuidado com nossa cidade — disse o diagramador, que jogou a guimba ao lado de uma papeleira.
flavio.tabak@oglobo.com.br thiago.jansen@oglobo.com.br gus@oglobo.com.br
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FONTE: ACTBR | ||
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terça-feira, 27 de agosto de 2013
OPERAÇÃO LIXO ZERO CARIOCA: TINHA UMA GUIMBA NO MEIO DO CAMINHO
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