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sexta-feira, 25 de novembro de 2011

COM HIV ... e COM SAÚDE

O programa de exercícios permite a adaptação gradual dos pacientes. 
No meio da academia do ginásio de esportes da UFMT, P.F.A.* chama atenção pelo jeito descontraído e brincalhão.  Sem aparentar cansaço, incentiva os colegas a seguirem firme na musculação.  Ele tem cinqüenta anos, mas aparenta bem menos.  A barriga lisa e os braços torneados dão pistas de que ali está um atleta. “Eu quero chegar aos 65 anos cheio energia. Quero chegar na porta do cinema e quando pedir a meia entrada, o caixa não acreditar que eu tenho direito ao desconto! E eu vou falar para ele que tenho 65 anos, mas continuo jovem, saudável e vivendo com AIDS!”, afirma.
Ativista pelos direitos dos portadores da doença, P.F.A.* costuma dar palestras para combater o preconceito.  Agora, por meio da atividade física, dá outro passo importante para ajudar as pessoas que vivem com HIV.  Ele é um dos 25 pacientes que fazem parte do projeto de mestrado “Efeitos de um programa de exercícios físicos supervisionado sobre a aptidão física relacionada à saúde, parâmetros bioquímicos e função imunológica de pessoas vivendo com HIV/AIDS”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (FAPEMAT). 
O mestrando Alesandro Garcia, autor da pesquisa, conta que a idéia surgiu a partir da convivência com pacientes da doença. “Ainda se associa o HIV à magreza, à morte rápida.  Com o avanço dos remédios, esse perfil mudou muito. Hoje, os portadores da síndrome vivem mais, com menos fragilidades. O que a pesquisa busca saber é a qualidade de vida que estas pessoas têm atualmente e como o exercício físico pode melhorá-la”, explica Alesandro, que é professor de educação física.
Os participantes do estudo também fazem exercícios aeróbicos.
Os integrantes da pesquisa são homens e mulheres de diversas faixas etárias, que se descobriram contaminados pelo HIV em diferentes períodos. Ou seja, há aqueles que convivem com a doença há menos de três anos enquanto outros já tomam o coquetel de medicamentos há mais de uma década.  “Isso é importante para termos uma idéia da resposta do corpo aos exercícios em diferentes tipos de pacientes”, conta Alessandro, lembrando que a medicação anti-retroviral usada por cada um deles varia conforme o caso.  Orientados pelo pesquisador e com acompanhamento médico, todos praticam meia hora de musculação e meia hora de exercícios aeróbicos três vezes por semana.
Antes, passaram por uma bateria de exames.  “Fizeram um exame de sangue como o de um check up, que conferiu itens como colesterol e índices de açúcar no sangue, além dos níveis dos linfócitos CD4 e CD8, que são ligados à condição do sistema imunológico. Além disso, passaram por testes de capacidade cardiovascular e um exame completo de composição corporal, que mostra as taxas de água, gordura e massa muscular”, relata o Dr. Fabrício Voltarelli, orientador da pesquisa.  Esses resultados são comparados com novos exames, feitos periodicamente para verificar a evolução de cada um.  Segundo o pesquisador, o trabalho realizado até agora já constatou que  apesar de aumentar a sobrevida dos pacientes, os remédios para controlar o HIV tem efeitos negativos sobre a saúde.  “O coquetel estimula a produção de radicais livres, que provocam um envelhecimento precoce das células e, por conseqüência,  do corpo em geral”.  Este resultado, inclusive, vai ser apresentado na próxima edição do Congresso Internacional da Academia Americana de Medicina Esportiva.
Os remédios podem provocar distribuição irregular de gordura pelo corpo.
Outro efeito negativo do remédio é a lipodistrofia, que altera a distribuição de gordura no corpo.  “A gordura começa a se concentrar no abdômen enquanto os membros ficam mais finos. A questão é que o acúmulo de tecido adiposo nessa região desencadeia a síndrome metabólica, uma condição que está relacionada a problemas cardiovasculares e resistência à insulina, fator que pode levar ao diabetes”, diz o Dr. Fabrício.  O próprio P.F.A.* sentiu de forma intensa as conseqüência do que poderia ser chamado de “efeito colateral” dos medicamentos: quando começou a participar do estudo tinha tanta gordura acumulada no fígado que estava com a pele e os olhos amarelados.  Também pesava 8 quilos a mais e não lembrava nem de longe a figura que é hoje.   “O coquetel antiretroviral é peça-chave para o tratamento. Por isso, é preciso buscar formas de minimizar reações negativas causadas por ele, promovendo uma sobrevida mais plena”, resume o Dr. Fabrício.
Um grande adversário é o preconceito contra a atividade física.  Existe um senso comum de que exercícios provocariam baixa da imunidade. Assim, os soropositivos acabam se tornando sedentários, já que a AIDS por si só compromete o sistema imune dos seus portadores.  “Isso não passa de mito.  A atividade física só debilita o organismo se for praticada de forma muito intensa e sem nenhum acompanhamento. Assim, mesmo é uma queda passageira. A longo prazo, praticar esportes só contribui para fortalecer a saúde”, esclarece.
Os participantes da pesquisa já começam a sentir mudanças na saúde.
O mestrando Alesandro montou um programa de exercícios de baixa intensidade e cuja complexidade vai aumentando gradativamente, conforme o condicionamento dos alunos melhora. “Em dois meses, nenhum deles ficou doente e vemos efeitos positivos como no caso do P.F.A.*, que perdeu principalmente o peso que interessa, ou seja, a gordura entre as vísceras, dorme melhor e está sentindo até mudanças no humor”, comemora Alesandro.  Ele conta que para medir melhor o efeito da mudança de hábitos, os pacientes não fazem nenhuma alteração na dieta. Os resultados estão diretamente ligados à ginástica.  “Fomos procurados por mais pessoas interessadas em participar e estamos pensando em transformar a pesquisa em um projeto de extensão no ano que vem”. Outro benefício que os pesquisadores não buscavam e acabou ficando evidente foi a socialização da turma.  Os participantes da pesquisa se tornaram amigos e mantém um relacionamento que vai além da sala de musculação. Estão até combinando um jantar de fim de ano. 
Para P.F.A.*, o que começou como uma recomendação médica, hoje é um compromisso.  “Mesmo quando viajo, levo um programa de atividades que podem ser feitas em qualquer lugar! Meu corpo mudou muito, mas ainda quero chegar a ter uma barriga de tanquinho”, brinca, sem esquecer de, no meio do caminho, mostrar que é possível viver, e bem,  com HIV . 
*O nome dos participantes da pesquisa não pode ser divulgado.
 Eveline Teixeira / Fotos: Inmagine
 (Fonte: http://www.revistafapematciencia.org/noticias/noticia.asp?id=225)

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