Os benefícios da leitura para crianças autistas
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O autismo afeta a alfabetização? Como os pais de crianças autistas podem incentivá-las a ler? Veja a entrevista!
Segundo dados do CDC (Center of Deseases Control and Prevention), órgão ligado ao governo dos Estados Unidos, divulgados em 2018, existe hoje um caso de autismo a cada 59 pessoas nascidas no país. Para números mundiais, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera um número mais conservador, a estatística do CDC de 2010: 1 autista a cada 110 pessoas. Dessa forma, estima-se que no Brasil, com 200 milhões de habitantes, vivam cerca de 2 milhões de autistas.
O autismo é uma síndrome que afeta vários aspectos da comunicação, além de influenciar também o comportamento. Nas últimas décadas as pesquisas sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) se multiplicaram e hoje há cada vez mais informação disponível sobre o assunto.
Para debater sobre a relação de crianças autistas com a leitura, nós da Dentro da História falamos com alguém muito envolvido com o assunto: o jornalista Francisco Paiva Júnior, cofundador e editor-chefe da Revista Autismo, que tem uma nova parceria com a Dentro da História.
Autismo e o desenvolvimento da leitura
A vida do jornalista Francisco Paiva se transformou em 2009 quando ele recebeu o diagnóstico do filho Giovani, com 1 ano e 11 meses de idade na época. A notícia fez com que Paiva buscasse informações sobre o autismo e, em 2010, ele se juntou a outro pai para criar uma revista sem fins lucrativos, gratuita e nacional, com o objetivo de disseminar informação no Brasil.
Veja abaixo tudo que conversamos sobre autismo, o desenvolvimento da comunicação, os benefícios da leitura e do incentivo da família para a criança!
1. Conte-nos um pouco sobre você e como surgiu a Revista Autismo!
Meu nome é Francisco Paiva Junior, sou jornalista e pós graduado em jornalismo e segmentação editorial. Meu propósito de vida mudou quando eu tive um filho e descobri que ele tinha autismo. O Giovani hoje tem 12 anos e foi em 2009, quando ele tinha 1 ano e 11 meses, que eu comecei a suspeitar que ele tivesse autismo. Ele ainda não falava e eu percebi que o problema não era só a fala, mas comunicação no geral. Um dia um primo meu me perguntou se eu já tinha lido algo sobre autismo e então comecei a pesquisar sobre o assunto.
Acabei percebendo que outras pessoas tinham dificuldade para encontrar informações e então escrevi um livro: “Autismo – Não espere, aja logo!”, que hoje já vendeu mais de 5 mil exemplares. E junto com outro pai de uma menina autista, criamos a Revista Autismo, com a ideia levar informação para o país todo de forma gratuita. Hoje é a única revista da América Latina sobre o assunto e a única do mundo em língua portuguesa.
2. Na revista, além de escrever sobre diversos temas relacionados ao autismo, vocês também têm colunas escritas por pessoas autistas. Na sua visão, qual é a importância disso?
A nossa vontade é de não só falar sobre autismo, mas dar voz aos autistas que têm autonomia. Na revista temos colunas escritas por pessoas autistas, assim como por pais de autistas. Existem autistas não verbais, que não conseguem se expressar e têm que ser representados pelos pais. Mas muitos autistas têm autonomia, e queremos muito dar voz a essas pessoas.
São uma parcela da sociedade que foi ignorada por muito tempo e ainda hoje é, e temos que lutar por isso porque o fato de eles se expressarem ajuda todos a entenderem também melhor o espectro, que é muito amplo. A participação dessas pessoas, não só como leitoras mas também autoras, incentiva o protagonismo delas na sociedade.
4. Mas antes de ler, quais são os desafios que o autismo traz para o desenvolvimento da fala e da comunicação?
A comunicação é talvez um dos primeiros desafios da pessoa com autismo. Meu filho fala normalmente hoje, é um tagarela, mas ele não falou até os 4 anos de idade. É muito comum os pais terem a angústia de querer que o filho fale logo, e temos alguns pontos importantes nesse processo.
Tem autista que realmente é não-verbal, e pode ser que não desenvolva a fala. Tem o autista que desenvolve a fala tardiamente, e tem inclusive autistas que não tem nenhuma dificuldade. Além do atraso no desenvovlimento, existem outras questões como o tom de voz, a dificuldade de se expressar, e a ecolalia, que é quando a pessoa não consegue criar frases próprias mas se expressa repetindo coisas que ouviu.
Um ponto essencial é que os pais sempre considerem uma comunicação alternativa. Eu usei com meu filho o PECs (Picture Exchange Communication System), que é um sistema de comunicação por troca de figuras. Isso reduziu muito as crises dele, que eram causadas justamente por querer expressar algo e não conseguir.
Nas cartinhas do PECs, além da imagem tem também a palavra, então sem perceber começamos a alfabetizar a criança também. Às vezes achamos que a criança não está nem percebendo, mas ela está ali aprendendo. A gente nunca pode subestimar um autista, o potencial do que ele pode fazer e do que ele está aprendendo.
5. Considerando que o espectro é muito amplo, é possível falar sobre dificuldades comuns na alfabetização de crianças autistas?
Meu filho aprendeu a ler com o método fonético, e esse é um ponto importante: adaptar o modo de ensinar para cada criança. Porque cada criança é única, mas principalmente porque o autismo também é único: ele afeta cada criança de uma maneira diferente. Então é preciso estar próximo para descobrir quais são as habilidades, as dificuldades, e como é possível ensinar.
Meu filho sempre teve personagens que viravam hiperfocos. Não é bom estimular o hiperfoco, mas enquanto ele persiste, é possível usá-lo para incentivar o aprendizado. Se a gente usa esses personagens para adaptar material didático, para estimular a leitura, fazer com que a criança queira ler e que isso seja divertido, é super útil.
Por exemplo quando você faz um livro personalizado da Turma da Mônica para a criança que gosta muito desses personagens, sem dúvida será muito mais divertido estimular a alfabetização usando aquilo do que com um livro genérico. O hiperfoco pode ser um atalho para engajar a criança em atividades educativas.
6. E quais características de um livro podem torná-lo melhor ou pior para uma criança com autismo que está aprendendo a ler?
Falando da minha experiência como pai e com base em relatos de outros conhecidos, às vezes crianças autistas não tem tanta concentração e fica impaciente com a leitura. Então uma dica é começar com uma história mais curta ou passando as páginas mais rapidamente, contando a história e mostrando as figuras, que são muito importantes. Aos poucos, a criança vai acostumando e você pode ir aprofundando os detalhes.
A respeito da linguagem, um ponto importante é que o livro não tenha metáforas, porque a maioria dos autistas costumam ser muito concretos e não compreendem expressões idiomáticas, a linguagem figurada.Eu fiz atividades para meu filho explicando várias expressões idiomáticas, e hoje em dia quando ele ouve alguma já me pergunta se é aquilo mesmo que significa. Mas uma criança menor pode simplesmente interpretar ao pé da letra.
Fazer atividades relacionadas à história ou aos personagens pode ajudar a criança a entender pouco a pouco e ir gradativamente aumentando o aprendizado. Eu mesmo já criei várias, desenhava, usava xerox, imprimia… Nesse processo é muito útil ter o apoio de psicopedagogos e psicólogos, mas no dia a dia os pais fazem isso de maneira intuitiva e que também ajuda muito.
7. Sobre a participação da família, qual é a importância dos momentos de leitura para a criação de laços afetivos?
Criar esses laços familiares é super importante. Hoje trabalhamos demais e temos mil tarefas, mas o mais importante não é nem a quantidade de tempo juntos, e sim a qualidade desse tempo. É estar com a criança mesmo, não no celular ou preocupado com o trabalho. Estar lá para ter aquela experiência juntos e viver o momento com o seu filho.
Uma das coisas que meu filho Giovani me ensinou é: seja feliz hoje! Porque nós não sabemos o dia de amanhã. Na época eu não sabia se ele ia aprender a falar, se ia amarrar o sapato, se ia fazer uma faculdade. Então eu preferi ser feliz hoje, e não agendar a felicidade.
Ler com os filhos é algo que representa muito isso, você poder sentar e ler junto. Eu li muito para meus filhos dormirem, mesmo antes de saber que ele tinha autismo. A leitura fortalece esse vínculo e é uma herança que deixamos que não tem preço. Uma criança ávida pela leitura desperta a sua curiosidade e no futuro terá um instrumento para adquirir novos conhecimentos.
8. Como foi a experiência da sua família com os livros personalizados?
Eu tenho dois filhos: o Giovani, que tem 12 anos e tem autismo, e a Samanta, que tem 10 anos e tem chulé. Os dois são apaixonados pela Turma da Mônica e quando conheci a Dentro da História eu fiz um livro personalizado diferente para cada um.
Eles amaram, primeiro porque já são envolvidos com a leitura, segundo por serem muito fãs dos personagens e se ver na história com eles foi fantástico. Eles se deliciaram com a leitura porque não era uma história comum, é a história que eles gostam, com os personagens que eles gostam e com eles mesmos, então foi mágico.
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Francisco Paiva Junior é jornalista, pós-graduado em Segmentação Editorial, cofundador e editor-chefe da Revista Autismo. É autor do livro “Autismo — Não espere, aja logo!” (editora M.Books) e head de conteúdo da Tismoo. Também é pai do Giovani, de 12 anos, que tem autismo e é muito rápido para fazer contas de cabeça, e da Samanta, de 10 anos, que tem chulé e é exímia desenhista.
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