Holanda, 13 de maio, 2017
por Fatima de Kwant
Meu nome é Fatima de Kwant. Sou mãe de um autista de 21 anos.
Em 2004, numa tarde de primavera na Holanda, país onde resido há 33 anos, levava meu filho, Edinho, ao parque de Plaswijck, em Rotterdam. Edinho adorava esse parque. Ele tinha 9 anos e começava a falar frases de duas a três palavras, e aprendia a esperar sem surtar. Como havia acabado de se comportar muito bem na consulta do dentista, a recompensa tinha sido a visita ao parque favorito.
Estávamos, eu e ele, frente ao imenso lago, aguardando na fila do pedalinho. À nossa frente, uns três ou quatro meninos entre nove a doze anos, creio. Edinho olhava para os pedalinhos que se aproximavam com uma imensa alegria. Ele mal se continha, dava pulinhos, abanava as mãozinhas e fazia o seu “Ihhhhhhhhhhh” de praxe, em sinal de plena felicidade. Não mais gritava, ou me puxava, como acontecia antigamente quando ele queria que seu desejo fosse instantaneamente satisfeito. Que mudança positiva!
De repente o que parecia o mais velho dos meninos da fila se vira para mim e pergunta:
“ ‘Mevrouw’ (senhora), ele é sempre assim?…” Eu entendi o que ele quis dizer, mas mesmo assim, respondi com outra pergunta: “Assim como?” O garoto respondeu, ainda hesitante: “… Assim, doidinho.” Não me ofendi, claro, era só uma criança. Vi que o pedalinho se aproximava de onde estávamos. Edinho pulava mais que pipoca e falava alto: “Die! Die!” (significa “aquilo”, pois ele não conseguia falar a palavra “pedalinho”).
Eu olhei para o menino com ternura e disse: “Ele não é doidinho; ele é autista. Será que você consegue decorar esta palavra: Au-tis-ta? Quando você estiver com sua mãe, diga a ela que hoje você viu um autista! Peça a ela para te contar o que é, ok?” Ele me olhou com seus grandes olhos azuis, eu sorri, e cada grupo seguiu para seu pedalinho.
O resto da tarde passou e eu continuava pensando no meu curto diálogo com aquele garoto desconhecido. Torcia para que ele, de fato, perguntasse à sua mãe o que era “autista”.
Naquele dia lindo, eu decidi que não queria viver num mundo que pensasse que meu filho era “doidinho”, sem fazer a minha parte para conscientizar o mundo sobre o uma diferença tão intrigante.
Autimates é um projeto vitalício. Seguindo a filosofia Pay it forward (de ajudar alguém que precisa, esperando que ele/a ajude outro alguém que precisa, quando tiver condições de fazê-lo), o Autimates tem como intenção conscientizar o mundo sobre o autismo, voluntariamente. Passar adiante a tríade dos seus elementos essenciais: A Conscientização, a Informação e a Inspiração.
Conscientização
Por que precisamos conscientizar o mundo sobre o autismo? Porque o autismo nos toca a todos. O autismo está em todos os lugares: na família, nas escolas, nas empresas, nas igrejas, na rua. As pessoas autistas nem sempre tem ou tiveram um diagnóstico, mas fazem parte da nossa sociedade, ainda que anônimas. É impossível negar que essa diferença neurológica exista. Para alguns, uma deficiência; para outros, um talento; para todos, uma diferença.
Segundo o psiquiatra e filósofo da ciência holandês, Berend Verhoeff , em sua tese “A Anatomia do Autismo”, o autismo é inexplicável. Isso significa que apesar de tantas pesquisas científicas que buscam a causa do autismo, este ainda não tem uma justificativa científica definitiva.
Acredita-se que as mutações genéticas em combinação com gatilhos do meio ambiente (vacinas, poluição, alergias alimentares) assim como histórico de doenças imunológicas na família, infecção fetal, idade dos genitores no momento da concepção e outros, possam causar o autismo.
Fato é que 1% da população americana tem uma forma de autismo. Off the record acredita-se que seja bem mais, uma vez levado em conta as pessoas não diagnosticadas.
Em 2014, publicou-se que nos Estados Unidos, 1 em 50 crianças em idade escolar tinham uma forma de autismo.
A conscientização também é necessária para que todo mundo entenda que toda criança autista é diferente da outra. Cada uma tem a soma de genes herdados por seus pais. Todos têm uma personalidade que também influencia no modo como o autismo se manifesta em cada um.
Razões suficientes para alertar quem quer que seja sobre o autismo.
Informação
Por que informar? Porque informação é conhecimento, e conhecimento é poder. Todos tememos o que desconhecemos. É preciso estar-se bem informado para conhecer o que nos amedronta.
Do jeito em que (ainda) se encontra a situação das famílias com uma ou mais crianças autistas, a sensação é a de que são os pais contra o mundo. Pais precisam se justificar constantemente perante a sociedade. Seja na fila do banco, no supermercado ou numa reunião familiar, pais de crianças autistas sentem-se frequentemente cansados de explicar que seus filhos não são mimados, mas autistas. Escolas rejeitam a matrícula de seus filhos; Empresas se negam a lhes dar um estágio ou emprego.
Pais querem se unir ao mundo. Seus filhos podem e devem fazer parte da sociedade se esta envergar um pouco para atender as diferenças. Eles devem conhecer o autismo. Eles devem estar bem informados.
Inspiração
O projeto Autimates deseja ajudar os pais a encontrarem a força que existe em cada um deles. Todos, sem exceção, têm uma força interior espetacular. No entanto, nem todos acreditam que a tenham ou a percebam em si mesmos. Através de sessões individuais, a pessoa autista, seus pais e irmãos recebem dicas para descobrirem o potencial que têm. Uma vez identificada, a autoconfiança e autoestima passam a ser uma constante em suas vidas, os ajudando a encararem o desafio sem estresse. Alem disso, as sessões têm como objetivo que esta confiança seja repassada para a criança autista também.
“Agora não; depois, sim!” é uma frase que o Autimates considera fundamental durante todo o processo de desenvolvimento da pessoa autista. Inspirando os pais e os autistas adolescentes e adultos a identificarem as dificuldades sem o preconceito da idade apropriada, coloca-se a evolução destes em progresso. Sempre se pode aprender alguma coisa.
Pais equilibrados
Pais em harmonia com a vida e com o autismo de seus filhos, conseguem melhores resultados. Estimulamos os pais a responderem algumas perguntas:
-Quem sou eu? Quem sou eu neste momento de minha vida?
-Qual o propósito da (minha) vida?
-O que o autismo do meu(minha) filho(a) diz sobre mim?
-O que me faz feliz?
-O que faz minha família feliz?
Perguntas que devem ser respondidas com sinceridade, no silêncio da meditação.
Os pais são estimulados a reverem seu papel no mundo como indivíduos. São motivados a prestarem atenção a si mesmos, fazendo uma atividade prazerosa para si, pelo menos uma vez ao dia. Isso não somente será bom para eles, como também para seus filhos sensíveis.
Quando os pais são capazes de (re)encontrar seu equilíbrio, é mais fácil encontrar a estabilidade emocional de seus filhos.
Criança equilibrada
A criança estável é aquela que se sente bem. Simples assim. Ela não surta; ela não faz movimentos repetitivos senão como demonstração de alegria (não por nervosismo); ela não sente dor; ela não fica ansiosa; sua capacidade cognitiva e social aumentam consideravelmente.
Os pais são, parcialmente, responsáveis por esse equilíbrio emocional/comportamental. Quando os filhos autistas encontram-se nervosos, o nervosismo de seus pais desencadeia um círculo negativo. Ao contrário, quanto mais calmos permanecerem, seus filhos tenderão a reagir com menos intensidade.
Tomando as rédeas
Os pais são a fonte inesgotável de informação e de influência sobre seus filhos.
Sendo o autismo um trabalho de equipe (pais, médicos, terapeutas e professores), todos fazem sua parte no desenvolvimento da criança autista. No entanto, o controle sempre deve estar com os pais. Utilizem sua intuição e seu bom senso para que saibam dizer “sim” ou não” quando necessário. Ninguém ama mais a criança que seus pais ou a compreende melhor. Não se intimidem com os profissionais que cuidam de seus filhos. Os pais sempre sabem o que é melhor para seus filhos.
Fortaleça a relação pai-filho/mãe-filho. Não tenha medo da sua criança. Não tenha resquícios ao colocar limites quando necessário. Seu filho é uma criança e toda criança precisa de amor, atenção e limites. Havendo os três, elas se desenvolvem.
Reflexões
Reflita sobre a vida em geral.
Será que o autismo é mesmo tão ruim assim? Por quê? A crença é sua ou é da sociedade?
O autismo é um transtorno ou “os outros” são um transtorno para o autista?
O que você quer do autismo e como poderá alcançar? Trace um plano. Foque 100% nele.
Você quer a cura ou a felicidade (bem estar, satisfação)?
Autisticamente feliz
Concentre-se na felicidade do seu filho em primeiro lugar.
Ao responderem um questionário sobre a situação familiar, nove entre dez pais afirmam que a saúde e a felicidade de seus filhos é o mais importante para eles. Independente da condição neurológica da criança, adolescente ou adulto autista, seus pais querem vê-los bem.
Perguntem-se se um diploma acadêmico está acima da alegria que seu filho possa sentir em trabalhar ao ar livre, com animais ou plantas, por exemplo.
O que vai fazê-lo(a) mais feliz:
-aprender a falar ou a apreciar e devolver amor com suas ações?
-aprender a tabuada ou a amarrar os sapatos e a comer sem ajuda?
-sentir-se forçado a ter amigos (“porque ter amigos é importante”), ou ser um espírito livre, criando maravilhas na aparente solidão do seu quarto?
-ter feito duas faculdades, mas não conseguir sair de casa só, ou aprender a ser um adulto tão independente possível, mesmo não tendo frequentado a escola?
Reflitam, por favor. Tudo é válido quando temos certeza do que é, de fato, essencial para cada um de nós.
União
Autimates é união e solidariedade. Não há qualquer distinção no projeto. Membros de todos os Movimentos e de todas as classes são convidados a participar. Não queremos que as divergências básicas entre estes sejam um empecilho na construção de um mundo melhor para os autistas e suas famílias. Qualquer pessoa com boas intenções, íntegras, verdadeiras e progressistas podem fazer parte do Projeto Autimates. ‘Maria’, que é amiga de ‘Joana’, que é amiga de ‘Alice’, que não gosta de ‘Maria’, também pode fazer parte de um Projeto que nasceu do amor e respeito pela diversidade humana. No Autimates não existe mágoa. Rixas do passado ficam no passado, pois só assim podemos construir um futuro melhor do que nosso presente.
Com amor e respeito,
Fatima de Kwant
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