Uma ex-fumante se vê em uma situação que desperta fortes associações com o fumo e fica extremamente tentada a acender um cigarro. Mas, e se a inteligência artificial pudesse ser efetivamente uma parceira para as pessoas que estão tentando parar de fumar, identificando ambientes que são gatilhos para o fumo e interferindo no momento certo para cortar a fissura pela raiz?
Um estudo descobriu que uma abordagem com deep learning pode ser capaz de fazer isso, reconhecendo estes locais que são e desencadeando "intervenções de cessação adaptativa no momento certo". Também poderia ajudar a otimizar os ambientes dos tabagistas durante as tentativas de cessação e, de forma mais ampla, analisar os estímulos ambientais de outros comportamentos que precisam ser modificados.
A abordagem de deep learning diferenciou com sucesso os locais que os participantes indicaram como apropriados para fumar ou não, com uma área sob a curva (AUC) média de 0,840 (desvio padrão = 0,024; precisão = 76,5%; desvio padrão = 1,6%), um desempenho comparável ao de especialistas em cessação do tabagismo.
"Os resultados sugerem que lugares e objetos encontrados em imagens da vida cotidiana podem ser usados para identificar ambientes associados ao cigarro, que, por sua vez, podem ser substitutos eficazes para a fissura por fumar", escreveram o primeiro autor, Dr. Matthew M. Engelhard, Ph.D., pesquisador sênior associado do Departamento de Psiquiatria e Ciências Comportamentais da Duke University, nos Estados Unidos, e colaboradores.
O estudo foi publicado on-line em 02 de agosto no periódico JAMA Network Open.
Abordagens inovadoras são muito necessárias; de acordo com os Centers for Disease Control and Prevention (CDC), as melhores intervenções para a cessação apresentam taxas de abstinência aos seis meses < 20%.
Detalhes do estudo
O estudo transversal recrutou 169 fumantes das cidades de Durham e Pittsburgh, ambas nos Estados Unidos, entre 18 e 55 anos de idade, e fez eles fotografarem 4.902 locais apropriados para fumar (N = 2.457; 50,1%) e locais inapropriados para fumar (N = 2.445; 49,9%) de 2010 a 2016. Todos os participantes eram fumantes ativos, que fumavam no mínimo cinco cigarros por dia há pelo menos um ano.
Locais apropriados para fumar eram lugares frequentados pelos participantes onde eles costumavam fumar ou tinham dificuldade de não fumar, enquanto os locais inapropriados para fumar eram lugares frequentados pelos participantes onde eles não fumavam. Avisos e sugestões diretas sobre o fumo, como cigarros ou isqueiros, não foram fotografados.
Essas imagens foram usadas para criar um "classificador de probabilidades" para prever os locais apropriados ou inapropriados para fumar para os participantes, correlacionando contextos dos ambientes cotidianos com padrões de fumo. O classificador, que "combina uma rede neural convolucional profunda (CNN, sigla do inglês, Convolutional Neural Network ou ConvNet) com um modelo de regressão logística interpretável, foi treinado e avaliado por meio de validação cruzada aninhada com a distribuição dos participantes, ou seja, previsão fora da amostra", explicaram os pesquisadores.
Na vida real, o Dr. Matthew disse ao Medscape, "existem estruturas de machine learning muito boas, desenhadas para rodar modelos como este em hardware móvel (p. ex.: TensorFlow Lite) para que ele possa ser implementado de forma definitiva". Seu grupo está atualmente trabalhando para aperfeiçoar o modelo para dispositivos móveis.
"Você vai poder, por exemplo, tirar uma foto com o celular e passar a imagem para o modelo, ali mesmo no seu telefone, para estimar o risco de fumar associado à imagem", disse o Dr. Matthew. Assim, o seu smartphone poderá lembrá-lo de estratégias específicas para impedir impulsos, conectá-lo a uma pessoa de apoio designada ou quem sabe recomendar que você masque um chiclete de nicotina ou algo assim, explicou ele.
No total, 3.386 imagens foram disponibilizadas em Durham e 1.516 em Pittsburgh. As imagens foram divididas igualmente entre as duas classes, com 2.457 imagens (50,1%) de locais apropriados para fumar e 2.445 imagens de locais inapropriados para fumar (49,9%).
Quando aplicado a lugares desconhecidos, que não haviam sido vistos antes, as previsões do modelo foram fortemente correlacionadas com a fissura relatada pelos participantes e associada a esses ambientes. "Isso fornece evidências preliminares de que os padrões ambientais associados ao tabagismo podem conferir risco onde quer que sejam encontrados", escreveram os autores.
Os principais locais ou características ambientais para locais apropriados para fumar foram: um pátio, uma van de mudança, um banco de parque, um aquecedor e uma mesa de bilhar. Esta categoria também incluiu, surpreendentemente, um relógio de sol, uma tela contra mosquitos e uma cerca de madeira. Menos surpreendentemente, os principais locais inapropriados para fumar foram de uma biblioteca, uma loja de conveniência e uma fotocopiadora em uma sapataria e uma igreja.
Um modelo treinado apenas com imagens de Durham classificou efetivamente imagens de Pittsburgh, para uma AUC de 0,757 (precisão = 69,2%), e um modelo treinado apenas com imagens de Pittsburgh classificou efetivamente imagens de Durham, para uma AUC de 0,821 (precisão = 75%). Estes resultados apontam para uma boa generalização entre áreas geográficas.
Apenas um especialista externo superou o classificador em um nível estatisticamente significativo (P = 0,05). Além disso, a mediana de fissura de fumar relatada pelo próprio participante correlacionou-se significativamente com o status do ambiente de fumar previsto pelo modelo (P = 0,894; P = 0,003).
Em outra parte do estudo de imagem, 25 participantes selecionados aleatoriamente tiraram 732 fotos, que foram classificadas por quatro especialistas em cessação do tabagismo que não participaram da pesquisa. Eles classificaram cada imagem (sim ou não) em função da seguinte pergunta: "Você diria para um fumante que este é um lugar onde ele poderia fumar ou sentir vontade de fumar?"
De acordo com Dr. Matthew, os especialistas "ficaram animados em ver o algoritmo ter um desempenho tão bom, e eles identificam isto como um importante avanço para ajudar as pessoas a conseguirem parar de fumar. Este modelo não substitui os médicos – trata-se apenas de uma ferramenta para ajudar pacientes e profissionais a trabalharem juntos de forma mais eficaz para que os pacientes consigam parar de fumar".
Os autores destacaram a importância de estudos mais sistemáticos de como alguns ambientes diários promovem comportamentos relacionados com o tabagismo – "informações que podem ser aproveitadas para embasar uma cessação mais eficaz".
O Dr. John B. Torous, psiquiatra e diretor de psiquiatria digital do Beth Israel Deaconess Medical Center, nos EUA, disse ao Medscape que os resultados da grande análise de duas cidades são "impressionantes e positivos", à medida que a ciência avança para intervenções adaptativas no momento certo.
"Este é o tipo de pesquisa que poderia dar pistas sobre o momento ideal para aplicar estas intervenções, e quando elas seriam mais eficazes", disse Dr. John, que não participou do estudo.
Ele também levantou a questão da privacidade e preocupações éticas, uma preocupação constante com os aplicativos digitais emergentes. "Se estamos tirando fotos de vários locais, e elas incluem transeuntes, por exemplo, que sistemas e mecanismos existem para manter essas informações privadas, seguras e protegidas?"
No último ano, o Medscape publicou resultados de uma pesquisa global mostrando que o ato de fumar está profundamente associado à rotina e aos rituais e diários de acordar, comer, beber e socializar, e isto ressalta a necessidade de focar nos aspectos não fisiológicos da dependência do tabaco.
Olhando para o futuro, os autores afirmaram que os resultados sugerem uma possível estrutura para prever o impacto dos ambientes cotidianos em outros comportamentos ou sintomas-alvo, como transtornos do humor, transtorno do déficit de atenção e/ou hiperatividade, comportamentos obesogênicos e crises de asma induzidas por alérgenos.
"Entender como o ambiente externo afeta comportamentos ou sintomas de interesse pode informar intervenções baseadas no ambiente e modificações ambientais terapêuticas", escreveram os autores.
Eles planejam explorar o possível benefício da personalização do modelo, ao identificar contextos individuais associados ao tabagismo.
Este trabalho foi financiado por doações do National Institute on Drug Abuse. Os autores do estudo, Dr. Matthew Engelhard , Jason Oliver, Lawrence Carin e Joseph McClernon relatam uma solicitação de patente pendente para predição ao vivo de comportamentos de risco usando imagens do dia a dia, relacionada com o trabalho deste estudo. O Dr. John informou não ter relações financeiras relevantes.
JAMA Netw Open. Publicado on-line em 02 de agosto de 2019. Texto completo
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