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terça-feira, 17 de setembro de 2013

CONTROLE DO TABAGISMO: PRESSÃO DE INTERESSES ECONÔMICOS

O direito a Saúde, a Anvisa e a pressão de interesses econômicos no STF

Em março de 2012, a diretoria colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, por unanimidade, uma resolução (RDC 14/12) proibindo os aditivos de aromas e sabores nos produtos de tabaco – e/ou aqueles que tenham os mesmos efeitos dos aditivos notadamente de sabor – após um longo processo de consulta pública e respaldada por evidências cientificas e pelas diretrizes do primeiro tratado global de saúde pública, a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro em 2006 (decreto 5.658/06).
Como a resolução da Anvisa mexe com os interesses econômicos da indústria do tabaco, não surpreende, e já era esperada, que a resistência das empresas multinacionais de tabaco, que controlam o mercado nacional e global de cigarros, seja grande e que faça uso de táticas, amplamente conhecidas e documentadas nacional e internacionalmente pela comunidade científica global de saúde pública. São elas a utilização de grupos de frente financiados pela própria indústria, mas que têm mais legitimidade por aparentar representar interesses legítimos de agricultores familiares, pequenos varejistas, comerciantes e outros setores da sociedade que contam com mais simpatia do público em geral; a compra de pesquisas e relatórios de metodologia duvidosa que traçam cenários apocalípticos na economia do país com supostas consequências sociais devastadoras com a grife do departamento de consultoria de marcas acadêmicas que tem grande visibilidade e credibilidade, como no caso de estudos encomendados para a FGV Projetos; o financiamento de parlamentares que funcionam como grupo de pressão junto ao poder executivo e como porta-vozes da indústria no Congresso Nacional e operam apresentando projetos de lei, propondo audiências públicas que contestam o papel das agências reguladoras;a inserção de artigos de opinião através de articulistas nos principais jornais do país; o patrocínio de eventos que promovem a percepção de que o Estado estaria indo longe demais e interferindo nas liberdades individuais e que é preciso acabar com a ameaça de um Estado Babá; o financiamento de campanhas publicitárias, assinadas por grupos de frente, alegando que as medidas de saúde irão fomentar o mercado ilegal ou que o consumidor não terá mais escolhas a seu dispor.  Como resposta, importante ressaltar e esclarecer que todas as politicas públicas de controle do tabagismo, a exceção da oferta de tratamento para os que desejam deixar de fumar, têm como foco regular as práticas comerciaisda indústria do tabaco e não os indivíduos, o direito individual de fumar está garantido, desde que não prejudique a saúde de terceiros.
Além das estratégias listadas, temos o Poder Judiciário, que acaba sendo o último bastião da resistência da indústria do tabaco, tanto no país como no resto do mundo. Muitas politicas públicas que envolvem interesses conflitantes acabam no STF por causa da judicialização das mesmas, e o poder judiciário acaba tendo a última palavra sobre temas muito importantes para a sociedade. Talvez por esse motivo seja o local onde as grandes multinacionais do tabaco vem investindo recursos vultosos, através da contratação de pareceres jurídicos assinados por ex e atuais Ministros do próprio STF, da contratação das maiores bancas de advocacia do país, através do patrocínio de eventos jurídicos, entre outros. Segundo relatos feitos a autora desse artigo por assessores de parlamentares aliados da saúde no Congresso, a indústria sabe que corre sérios riscos de perder o PDC 3034/10, proposto por um dos principais porta-vozes da indústria na Camara dos Deputados (dep. Luiz Carlos Heinze do PP-RS), que tem como objetivo sustar os efeitos da RDC dos aditivos, que tramita no momento na CCJ, e que, portanto, haveria declarado que está apostando todas as fichas no poder judiciário. 
Na falta de argumentos de mérito, no caso o dever constitucional do Estado de proteger a saúde, obrigação essa que para a regulação dos produtos do tabaco foi outorgada à Anvisa através da lei 9.782/99 e da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, os argumentos utilizados são via de regra referentes a constitucionalidade. Essa é uma tática da indústria do tabaco reconhecida inclusive pela Organização Mundial da Saúde e utilizada globalmente.
Importante ressaltar que muitas vezes o poder judiciário não tem acesso as evidências mais recentes na área da saúde pública ao mesmo tempo em que é bombardeado pelos argumentos apresentados por representantes da indústria, que naturalmente tem muito mais recursos financeiros a sua disposição. Ou seja, o mérito da questão acaba camuflado em argumentos que propositadamente pretendem tirar o foco do que realmente importa. 
No momento em que escrevo esse artigo participo de uma Conferência Internacional sobre as prioridades de saúde pública no século XXI, onde o tabaco é o tema central das discussões. Afinal, apesar dos indiscutíveis avanços em políticas públicas que testemunhamos na última década, continua sendo a principal causa de morte evitável em todo o mundo e no Brasil e o principal fator de risco para as doenças crônicas não transmissíveis, responsável por 72% das mortes no Brasil. 
A utilização de estratégias judiciais para evitar a regulamentação eficaz, e mandatória para os Estados signatários da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, é prática em todo o mundo. Na Austrália, que tem a legislação recente mais avançada em termos de embalagem e propaganda de cigarros, com a adoção de embalagens genéricas para produtos de tabaco, a pressão da indústria foi colossal, as táticas foram exatamente as mesmas utilizadas no Brasil e listadas anteriormente, e o tema também foi parar na suprema corte do país. Felizmente, a decisão da suprema corte australiana reafirmou o direito do Estado de proteger o interesse público. Os resultados da política australiana, que entrou em vigor em dezembro de 2012, já são perceptíveis e pesquisas locais demonstram que o apelo que o cigarro tinha entre o público jovem já sofreu um forte abalo. Segundo relatos de grupos focais, cigarros passaram a ser vistos como o que são de fato, um produto sujo que mata um em cada dois consumidores regulares, e deixaram de ser legais (cool) ou despertar curiosidade. 
O que fica muito claro ao observar o que acontece pelo mundo afora, é que sem vontade politica é muito difícil avançar nas medidas. A Austrália está ganhando a batalha das embalagens genéricas, pois o governo, aliado a opinião pública e as evidências, estava determinado a vencer a guerra. No Brasil sabemos que 76% da população apoia a proibição de aditivos de sabor nos cigarros, resta saber qual dos direitos será privilegiado pela decisão do Supremo Tribunal Federal, o direito fundamental à saúde ou o direito comercial de lucrar à custa de adoecimentos e mortes. 

* - Paula Johns é diretora da ONG Aliança de Controle do Tabagismo
Publicado em: 16/09/2013 01:42:00

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