A ameaça começa em casa
Crianças deixadas sozinhas por falta de alternativa, como creches, ficam mais expostas a riscos
Sem vaga na creche, muitas mães contam apenas com a sorte para que os filhos fiquem seguros no horário em que não estão na escola
‘‘Fico morrendo de medo. Deixo as crianças com comida para não haver problema’’, comenta a dona de casa Aparecida Santana
Londrina - Um caso de abandono infantil por dia. Essa é a média de atendimentos do Conselho Tutelar de Londrina. O problema é mais comum em bairros da periferia. Um fator positivo e outro negativo contribuem para que as crianças de bairros pobres fiquem expostas a situações de vulnerabilidade: o aumento do número de mulheres no mercado de trabalho e a falta de vagas em creches.
De acordo com o conselheiro tutelar José César Ramalho, a maioria das denúncias sobre crianças deixadas sozinhas em casa é feita por vizinhos. ''É comum, inclusive acabo de sair de uma situação dessas'', relata. A Secretaria de Educação de Londrina admite que hoje cerca de 4 mil crianças estão fora das creches. Entidades que atuam no setor estimam que o deficit é de até 8 mil vagas.
A situação ganhou destaque na imprensa depois da tragédia ocorrida em Guarapuava (Centro) na semana passada, quando cinco crianças de 1 a 11 anos morreram após um incêndio. As vítimas estavam sozinhas na casa, enquanto as mães delas saíam à noite para se prostituirem. O fogo foi provocado por uma vela, uma vez que a residência não contava nem mesmo com energia elétrica.
E crianças serem deixadas sozinhas em casa, no entanto, é uma triste rotina em bairros pobres. Esse ''abandono'' ocorre principalmente durante o dia, quando a oferta de vagas em creches poderia solucionar, ou ao menos minimizar, a vulnerabilidade desses menores.
''É um problema social grave. O Estatuto da Criança e do Adolescente garante que toda a criança deve frequentar a escola, uma obrigação do Estado, e não pode trabalhar. Há três meses atendi um caso em que a mãe estava num bar e as cinco crianças dela estavam numa casa sem água, luz e comida'', relembra Ramalho.
Para o sociólogo João Batista Filho, de Londrina, a necessidade da mulher entrar no mercado de trabalho é uma exigência atual já que, na maioria das vezes, somente o salário do homem não é suficiente para suprir todas as necessidades da família. Ele critica todas as esferas do governo por não garantir o direito constitucional que toda criança tem de ter um lugar para ficar enquanto os pais trabalham.
''Isso mostra a total ausência e omissão do Estado. O governo não consegue cumprir suas obrigações quanto a saúde, educação e segurança. Ele não respeita os direitos fundamentais do cidadão, principalmente no que diz respeito a proteção à vida das pessoas'', aponta Batista Filho.
Há também muitas mães que deixam os filhos sozinhos em casa por falta de alternativa. Sem vaga na creche, parente ou amigos para cuidarem dos pequenos, ou dinheiro para pagar uma babá, muitas mulheres contam apenas com a sorte para que os filhos fiquem seguros no horário em que não estão na escola. ''Fico morrendo de medo. Quando saio de casa falo para ninguém mexer em nada. Deixo as crianças com comida para não haver problema'', comenta a dona de casa Aparecida Santana, moradora do assentamento Nossa Senhora Aparecida, na zona norte, que tem quatro filhos, entre 4 e 11 anos.
O capitão Rodrigo Nakamura, do 3º Grupamento do Corpo de Bombeiros em Londrina, ressaltou que o ideal é não deixar nenhuma criança com menos de 12 anos sozinha, já que tal ato é considerado crime e os pais podem responder por abandono de incapaz. ''É preciso evitar que as crianças fiquem na cozinha perto do fogão e do gás. Se alguém na casa fuma, não deixar à vista isqueiros e fósforos, além de outros produtos inflamáveis. A curiosidade das crianças é muito grande e isso pode causar um acidente grave'', explica o capitão.
FONTE: TEXTO DE Danilo Marconi - http://www.folhaweb.com.br/?id_folha=2-1--1546-20121113
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