Cadialina nela
Parecia até piada do Zé Simão, mas infelizmente era coisa séria. Um médico da
Bahia receitou para uma paciente obesa cadeados para emagrecer.
"Cadialina", escreveu ele no receituário. "Um para a sua boca, outro para a
geladeira, outro para o armário, outro para o freezer, outro para o congelador e
outro para o cofre".
Procurado depois que o caso veio a público, o médico se limitou a dizer: "só
usei uma linguagem figurada".
O caso repercutiu na mídia, muita gente riu, o médico foi afastado, o
conselho de medicina da Bahia abriu sindicância, mas a atitude nonsense dele
demonstra muito bem a ignorância sobre a obesidade e o tamanho do preconceito em
torno do tema.
O mais incrível é isso ter partido de um médico, alguém que deveria entender
que a obesidade é uma doença, e que a paciente gordinha do outro lado da mesa
precisava da sua ajuda, não de mais humilhação.
A medicina já demonstrou que, por mais que lutem por meio de dietas ou
temporadas em spas, nem sempre as pessoas obesas conseguem emagrecer. A
neurociência já considera a obesidade, quando associada à compulsão alimentar,
um vício.
Fabiola Lima/Bocão News | ||
À esq., a dona de casa Adriana Santos, em Salvador; à dir., receita que indica a 'cadialina' |
Mesmo assim, a sociedade, de uma forma geral, ignora as evidências e continua
a fazer seus julgamentos movida pela ignorância. É como se o obeso fosse assim
apenas porque é preguiçoso, relapso e comilão. Logo, merece ser motivo de todo
tipo de piada.
PRECONCEITOS
Os obesos enfrentam preconceitos dos mais diversos em suas relações pessoais,
inclusive no ambiente de trabalho. Um estudo de uma das maiores empresas de
recrutamento profissional do país, mostrou que a obesidade é a terceira causa de
objeção do empregador na hora da contratação de um executivo --só perde para a
inconstância nos cargos e para o tabagismo.
Em entrevista a uma rádio, um representante da empresa disse que 90% dos seus
clientes não querem obesos nos seus quadros. "Afinal, quem não cuida de si mesmo
não cuidará a contento dos negócios da empresa".
As empresas também encontram justificativa na redução de custos. Elas se
amparam na tese de que os obesos têm maior propensão a doenças, como diabetes e
hipertensão, e isso faz aumentar os períodos de licença, o índice de faltas ao
trabalho e as despesas com tratamentos médicos.
Talvez ainda desconheçam os recentes estudos que questionam o conceito de que
gordura extra é sempre sinal de maior risco para a saúde. É o que está sendo
chamado de paradoxo da obesidade: em certos casos, os quilos além da conta não
indicam perigo e podem até ser protetores.
Por outro lado, o que muita gente desconhece é que o preconceito contra os
obesos pode ser tão nocivo quanto os problemas de saúde que a obesidade possa
acarretar. O professor Peter Muenning, da Universidade de Columbia (EUA), diz
que as humilhações deixam as pessoas mais estressadas, o que causa aumento da
pressão sanguínea, por exemplo.
Levando em conta que a OMS (Organização Mundial de Saúde) considera a
obesidade a epidemia global do século 21 e que no Brasil metade da população já
está com excesso de peso, não há razão alguma para que os obesos continuem sendo
alvo de piadas. Certo, doutor?
FONTE: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/claudiacollucci/1185047-cadialina-nela.shtml
Cláudia Collucci é repórter especial da Folha, especializada na
área da saúde. Mestre em história da ciência pela PUC-SP e pós graduanda em
gestão de saúde pela FGV-SP, foi bolsista da University of Michigan (2010) e da
Georgetown University (2011), onde pesquisou sobre conflitos de interesse e o
impacto das novas tecnologias em saúde. É autora dos livros "Quero ser mãe" e
"Por que a gravidez não vem?" e coautora de "Experimentos e Experimentações".
Escreve às quartas, no site.
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