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sábado, 17 de novembro de 2012

CADIALINA


Cadialina nela

Parecia até piada do Zé Simão, mas infelizmente era coisa séria. Um médico da Bahia receitou para uma paciente obesa cadeados para emagrecer.
"Cadialina", escreveu ele no receituário. "Um para a sua boca, outro para a geladeira, outro para o armário, outro para o freezer, outro para o congelador e outro para o cofre".
Procurado depois que o caso veio a público, o médico se limitou a dizer: "só usei uma linguagem figurada".
O caso repercutiu na mídia, muita gente riu, o médico foi afastado, o conselho de medicina da Bahia abriu sindicância, mas a atitude nonsense dele demonstra muito bem a ignorância sobre a obesidade e o tamanho do preconceito em torno do tema.
O mais incrível é isso ter partido de um médico, alguém que deveria entender que a obesidade é uma doença, e que a paciente gordinha do outro lado da mesa precisava da sua ajuda, não de mais humilhação.
A medicina já demonstrou que, por mais que lutem por meio de dietas ou temporadas em spas, nem sempre as pessoas obesas conseguem emagrecer. A neurociência já considera a obesidade, quando associada à compulsão alimentar, um vício.
Fabiola Lima/Bocão News
À esq., a dona de casa Adriana Santos, em Salvador; à dir., receita que indica a 'cadialina
À esq., a dona de casa Adriana Santos, em Salvador; à dir., receita que indica a 'cadialina'
Mesmo assim, a sociedade, de uma forma geral, ignora as evidências e continua a fazer seus julgamentos movida pela ignorância. É como se o obeso fosse assim apenas porque é preguiçoso, relapso e comilão. Logo, merece ser motivo de todo tipo de piada.
PRECONCEITOS
Os obesos enfrentam preconceitos dos mais diversos em suas relações pessoais, inclusive no ambiente de trabalho. Um estudo de uma das maiores empresas de recrutamento profissional do país, mostrou que a obesidade é a terceira causa de objeção do empregador na hora da contratação de um executivo --só perde para a inconstância nos cargos e para o tabagismo.
Em entrevista a uma rádio, um representante da empresa disse que 90% dos seus clientes não querem obesos nos seus quadros. "Afinal, quem não cuida de si mesmo não cuidará a contento dos negócios da empresa".
As empresas também encontram justificativa na redução de custos. Elas se amparam na tese de que os obesos têm maior propensão a doenças, como diabetes e hipertensão, e isso faz aumentar os períodos de licença, o índice de faltas ao trabalho e as despesas com tratamentos médicos.
Talvez ainda desconheçam os recentes estudos que questionam o conceito de que gordura extra é sempre sinal de maior risco para a saúde. É o que está sendo chamado de paradoxo da obesidade: em certos casos, os quilos além da conta não indicam perigo e podem até ser protetores.
Por outro lado, o que muita gente desconhece é que o preconceito contra os obesos pode ser tão nocivo quanto os problemas de saúde que a obesidade possa acarretar. O professor Peter Muenning, da Universidade de Columbia (EUA), diz que as humilhações deixam as pessoas mais estressadas, o que causa aumento da pressão sanguínea, por exemplo.
Levando em conta que a OMS (Organização Mundial de Saúde) considera a obesidade a epidemia global do século 21 e que no Brasil metade da população já está com excesso de peso, não há razão alguma para que os obesos continuem sendo alvo de piadas. Certo, doutor?
FONTE: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/claudiacollucci/1185047-cadialina-nela.shtml
Avener Prado/Folhapress
Cláudia Collucci é repórter especial da Folha, especializada na área da saúde. Mestre em história da ciência pela PUC-SP e pós graduanda em gestão de saúde pela FGV-SP, foi bolsista da University of Michigan (2010) e da Georgetown University (2011), onde pesquisou sobre conflitos de interesse e o impacto das novas tecnologias em saúde. É autora dos livros "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de "Experimentos e Experimentações". Escreve às quartas, no site.

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