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quinta-feira, 16 de maio de 2013

PARLAMENTARES QUE FAZEM MAL À SAÚDE



Parlamentares que fazem mal à saúde

Autor(es): Marcos Moraes
Presidente do Conselho de Curadores da Fundação do Câncer e da Academia Nacional de Medicina

Sob pressão, a diretoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária se reuniu extraordinariamente, em pleno sábado, para rever a medida que proibiu aditivos em cigarros. Fabricantes desses produtos apostam todas as fichas contra a medida, pois fere gravemente sua rentabilidade. Para eles, aditivos são essenciais para facilitar a experimentação e o uso continuado de cigarros por adolescentes, pois tiram o gosto ruim do produto, reduzem a sensação de irritação da fumaça e aumentam o poder de causar dependência. Um grande filão tecnológico para garantir eficiência na captação de adolescentes, principal fonte de reposição dos fumantes que deixam de fumar ou morrem. 

A medida foi aprovada em 2012, depois de dois anos de debates permeados por forte lobby contrário sobre o alto escalão do governo, grande mobilização de parlamentares da bancada do fumo e manobras protelatórias. Enfim, enorme barricada foi armada para impedir a medida. Nesse contexto, destaco aspecto curioso. Frente à torpeza de endossar publicamente a real função dos aditivos, a indústria do tabaco mudou seu posicionamento inicialmente contrário à medida, passando a defender que o açúcar fosse poupado da proibição. Alegava que a proibição inviabilizaria o uso do tabaco tipo burley na fabricação de cigarros, cujos produtores seriam gravemente prejudicados. 

Pressionada, a Anvisa excluiu o açúcar da medida, apesar de haver tecnologia para incluir tabaco burley sem aditivo em cigarros, e de cientistas da Organização Mundial da Saúde terem recomendado a proibição do açúcar no cigarro, pois sua queima gera acetaldeído, substância cancerígena e neurotóxica para o fumante. Assim mesmo, a medida foi grande avanço amplamente comemorado no Brasil. Logo veio o bombardeio de liminares para suspendê-la em diferentes tribunais do país. 

Enquanto isso, dois verdadeiros tanques de guerra atacaram por outros flancos. Um, conduzido pela indústria de tabaco por meio da Confederação Nacional da Indústria (CNI), questionando a constitucionalidade da Anvisa em regular produtos de tabaco. E outro, conduzido por deputado federal, que tenta, com o apoio da bancada do fumo, aprovar a todo custo esdrúxulo projeto de lei de sua autoria com o mesmo objetivo. Ambos ameaçam o mandato da Anvisa de regular produtos nocivos à saúde, prestando grande desserviço aos brasileiros. 

O arsenal apontado contra a medida é diretamente proporcional à ameaça que ela representa ao lucro das empresas de tabaco. E coloca a Anvisa contra a parede para negociar o inegociável: devolver parte da capacidade da indústria do tabaco causar doenças e morte aos consumidores.

Nesse contexto, outro aspecto precisa ser esclarecido. Por que tantos legisladores eleitos pelo povo se prestam a proteger empresas transnacionais cujo principal alvo são adolescentes a serem transformados em dependentes químicos e depois descartados nas estatísticas de doenças e mortes? Por que tanta energia para defender um setor econômico cujo principal resultado é verdadeiro genocídio? Quase 200 mil mortes por ano no Brasil e 100 milhões só no século 20 no mundo. Que favor estão retribuindo a esse setor tão maléfico à humanidade? 

E não me digam que é para defender os fumicultores brasileiros. Eles são tão vítimas dessa indústria quanto os fumantes. São vítimas da dinâmica da cadeia produtiva do fumo, coordenada por essas empresas, que violam seus direitos e os submetem a graves riscos já amplamente denunciados e alvo de ações do Ministério Público do Trabalho. Diante desses problemas, esses parlamentares fazem cara de paisagem. Afinal, as empresas doam para campanhas eleitorais. 

Como médico e cidadão brasileiro, causa-me profunda indignação assistir a um setor tão maléfico para a humanidade cooptar consciências, atropelar vontades políticas e mudar a ordem social envolvida na obrigação de uma agência sanitária de proteger a sociedade de práticas predatórias e enganosas. Que nas próximas eleições o Brasil possa lembrar os parlamentares e os partidos que fazem mal à saúde do povo.
 FONTE: Correio Braziliense - 16/05/2013

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