Vera Luiza da Costa e Silva, Coordenadora do Centro de
Estudos do Tabagismo e Saúde (CETAB)
A epidemiologista Vera Luiza da Costa e Silva, ex-diretora do programa Iniciativa Livre do Tabaco, da Organização Mundial da Saúde, inaugurou recentemente o Centro de Estudos do Tabagismo e Saúde (CETAB).
O CETAB faz parte da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz, e começa com a área de controle do tabaco, alinhando-se a entidades parceiras na implementação da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco da OMS.
Ele será um importante polo de reflexão às políticas brasileiras de controle do tabagismo a partir de pesquisas realizadas em áreas prioritárias, atividades de ensino para atender às demandas necessárias, e através de cooperação técnica não só com agências federais, estados e municípios, mas com países de língua portuguesa e da América Latina.
Vera Luiza conversou com o Boletim da ACT sobre o novo centro e os rumos da política de controle do tabaco no país, que enfrenta uma forte pressão da indústria do tabaco e seus aliados.
ACT: A Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz inaugurou o CETAB, com foco no tabaco. Como é o trabalho do CETAB?
Vera Luiza da Costa e Silva: A ENSP está antenada com os desafios da redução de morbimortalidade por doenças crônicas não transmissíveis, no Brasil e no mundo, e muitas linhas de pesquisa já vêm sendo desenvolvidas por pesquisadores da escola nos diversos temas relacionados.
A criação do CETAB tem o objetivo de estabelecer um pólo de reflexão envolvendo estes pesquisadores e adicionalmente buscar novos recursos humanos e financeiros para responder às grandes perguntas necessárias ao estabelecimento de políticas públicas nesta área.
ACT: O CETAB vai trabalhar outros fatores de risco para doenças crônicas? Quais?
VLCS - Apesar do seu nome explicitar apenas a área de controle do tabaco, o CETAB tem como mandato abordar os fatores de risco das doenças crônicas, seguindo o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis no Brasil 2011-‐2022, pactuado pelo governo brasileiro.
A vantagem é que com a área de tabaco, temos um modelo para o controle dos fatores de risco das DCNTs, com uma serie de lições que podem ser seguidas. No entanto, as linhas de pesquisa neste tema ainda são pouco priorizadas pelas agências de fomento quanto à oferta de financiamento e pouco valorizadas, abordadas e sistematizadas pela Academia e grupos de interesse da saúde coletiva.
Um exemplo disto é o fato de que a disciplina pós-graduação que oferecemos na ENSP desde 2012, sobre fatores de risco de DCNTs - tabaco, álcool, atividade física e alimentação, vem sendo procurada cada vez mais por profissionais de saúde da rede, mostrando a grande demanda reprimida por formação na área.
Estamos em contato com profissionais que já desenvolvem trabalhos nestes temas para convidá-los a oferecer aulas na nossa disciplina e já introduzimos o controle do uso excessivo do álcool em uma de nossas pesquisas. Vamos prosseguir tentando criar também um polo de reflexão sobre os grandes desafios nestes diversos temas no CETAB.
ACT: A indústria do tabaco continua tendo uma atuação importante na economia e continua fazendo um lobby pesado para impedir medidas de controle do tabaco. O que mudou na indústria? Alguma coisa mudou?
VLCS: A agressividade cada vez maior das empresas fumageiras, influenciando negativamente o processo de saúde publica, mostra que, de uma certa maneira, parecemos estar trabalhando na direção certa. Repousamos em um programa sólido, de abordagem multissetorial, com trabalho intenso e de ponta da Comissão Nacional de Implementação da Convenção Quadro (Conicq) e do Instituto Nacional de Câncer (INCA), um marco regulatório impecável da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e com impacto já mensurável na mortalidade por doenças crônicas no país reportado de forma exemplar pela Secretaria de Vigilância Sanitária (SVS) do Ministério da Saúde. Também temos o papel de peso da sociedade civil, constituída em torno da ACT.
No entanto, a indústria vem usando também de ação interssetorial, só que contra a saúde publica brasileira, com grupos de fachada em todos os setores, segmentos e áreas da sociedade: representantes de panificadoras, hotéis, bares e restaurantes, grupos de pressão no Congresso Nacional, grupos de pressão no Judiciário, no Executivo, nos estados e municípios, na mídia impressa, televisiva e virtual. Pior, na Academia, em grupos de saúde publica do país, forjando dados, tentando reinventar uma ciência falsa que visa somente lucros.
Além disto, gostaria de compartilhar uma inquietude: a fumicultura, os plantadores de fumo e a discussão dos processos de diversificação vêm ganhando espaço progressivo na agenda do setor saúde com perspectivas de equacionamento no longo prazo e com necessidade de serem regadas com muita pesquisa e estudos de impacto, sustentabilidade e possibilidades reais de substituição (e não apenas de diversificação) do cultivo do tabaco.
ACT: E como a indústria age?
VLCS: O uso que a indústria faz deste expediente através da Câmara Setorial do Fumo do Ministério da Agricultura e de grupos de pressão para capturar a atenção da mídia, governos estaduais e do Congresso Nacional e levantar a urgência de respostas para o tema pela CONICQ, pode estar sendo uma estratégia para pressionar os atores de controle do tabagismo para uma reação imediata e, assim, desviar a atenção do governo das medidas de redução da demanda que são mais custo efetivas e sobre as quais o setor saúde pode ter mais influência e poder de implementação. Neste sentido, acho que temos que ser muito cuidadosos para, sem perdermos de vista o plantador de fumo e suas necessidades nas esferas de saúde, sociais e de meio ambiente, mantermos nosso foco central nas políticas de redução da demanda, já que recursos humanos e financeiros são escassos do nosso lado.
ACT: O Ministro da Saúde editou uma portaria incentivando o tratamento do tabagismo nas unidades básicas de saúde. É uma portaria importante? Não seria melhor aprovar leis para evitar a iniciação de jovens?
VLCS: Acabo de publicar na coluna Opinião do Globo, dando meu parecer sobre esta portaria. Acho que ela “enxuga gelo” na medida em que não dá conta do apelo e pressão da medicalização em detrimento do aconselhamento ao fumante nos programas de cessação, não prevê campanhas de esclarecimento ao fumante sobre suas possibilidades de deixar de fumar e não atende a debilidade das linhas telefônicas nacionais --- Disque parar de fumar.
Acho que os programas de cessação são necessários, mas devem ser integrais. Além disto, projetos que criem medicamentos genéricos com este fim devem ser priorizados, através de tecnologias que permitam que se produzam gomas de mascar e adesivos como medicamentos.
Finalmente, a cessação deve fazer parte de um programa mais amplo e no momento, temos prioridades absolutas na agenda nacional, como a regulamentação da lei 12.546/2011 e a defesa da ANVISA, que ainda não foram abordadas.
ACT: Quais são os desafios futuros no controle do tabagismo?
VLCS: Continuam sendo vários. Alguns destes grandes desafios, no entanto, têm urgência de serem abordados:
Marketing da indústria ainda pouco fiscalizado: cenas de fumantes de cigarros e cigarros eletrônicos na TV e na indústria do cinema, programas de responsabilidade corporativa social, incluindo recente discussão sobre financiamento de atividades de grupos do Poder Judiciário, promoções sedutoras em pontos de venda, o desafio do cumprimento das leis e resoluções no espaço virtual, os novos produtos de tabaco como os narguiles ganhando mercado junto aos jovens.
FONTE: BOLETIM ACT - Edição 91 - Abril e Maio 2013
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sábado, 11 de maio de 2013
ACT ENTREVISTA: VERA LUIZA DA COSTA e SILVA
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