JULIANA CUNHA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A bancária Maria Ângela Azevedo, 42, tem um segredo: ela e o marido dormem em
quartos diferentes. O hábito começou há cinco anos, quando ele interrompeu um
tratamento de apneia (suspensão da respiração durante o sono) pela quarta vez.
"O apartamento tem dois quartos. Dizemos que um deles é de visita, mas a
verdade é que funciona como quarto do meu marido."
Nem a faxineira que limpa a casa sabe do arranjo. "Contamos para alguns
amigos e todos acharam esquisito, então preferimos nos resguardar", diz Maria.
Avener Prado/Folhapress
A secretária Lia Freire Chefaly, 50, é casada com o
eletricista João Carlos Costa há 30 anos. Desde o primeiro mês de casados, os
dois dormem separados
A decisão do casal não é incomum, nem seu constrangimento. "Cerca de 40% dos
meus pacientes dormem em camas ou quartos separados. Quase nenhum admite isso
para a família", diz a otorrinolaringologista e médica do sono Ângela Beatriz
Lana.
Um adulto médio tem entre 20 e 30 microdespertares por noite, momentos em que
o sono REM, mais profundo e restaurador, é interrompido e a pessoa volta a uma
etapa superficial. Ao trocar de posição na cama ou ranger os dentes a pessoa
chega a um estado de semiconsciência. Quase acorda, mas não percebe. Quanto mais
microdespertares tiver, mais cansada vai levantar no dia seguinte.
"Dividir a cama chega a dobrar a quantidade de microdespertares. É muito
romântico, mas um fracasso do ponto de vista da saúde", diz Maurício Bagnato,
médico do laboratório do sono do Hospital Sírio-Libanês.
Insônia, ronco, apneia, discordâncias sobre a temperatura do ar-condicionado,
horários diferentes para dormir e acordar, presença de TV e aparelhos
eletrônicos no quarto são os problemas mais citados pelos casais que resolveram
dormir separados.
A secretária Lia da Costa e o eletricista João Carlos da Costa dormem em
quartos diferentes desde o primeiro mês de casados, há 28 anos. "Pensam que é
falta de amor, mas não é. A gente faz tudo que um casal normal faz", afirma Lia.
João, 53 não ronca, mas gosta de fumar e assistir à TV durante a noite. Já
Lia, 50, acorda assim que ouve o barulho. "Nas primeiras noites eu ficava
esperando ele dormir para desligar a TV.
Quando desligava, ele acordava.
Agora, até na casinha de praia, que só tem um quarto, ele prefere ficar na
sala", diz.
Os filhos do casal acham o hábito estranho. "Eles sempre tiveram um pouco de
vergonha disso, de pensarem que os pais não se gostavam."
HÁBITO RECENTE
Cultivar o próprio espaço também é razão frequente para a separação de
corpos.
Juntos há 32 anos, os empresários Aurea Teodoro, 47, e Edmur Bastoni, 49, só
não dividem a cama.
"A decisão foi tão natural que nem lembro de quem partiu. Somos pessoas
independentes. Além disso, trabalhamos juntos. Ficar no mesmo quarto seria uma
overdose", afirma Aurea.
Dormir junto é um hábito recente motivado, antes por necessidade do que por
romantismo, explica Neil Stanley, médico do sono e ex-presidente da Sociedade
Britânica do Sono.
"Quando a Revolução Industrial apinhou as pessoas em pequenos espaços foi
inevitável que os casais passassem a dividir o quarto. Antes, os pobres dormiam
todos no mesmo cômodo e os ricos tinham um quarto para cada um", disse ele à
Folha.
"Hoje as pessoas dormem com cachorro, filho, parceiro. Pode anotar: a
qualidade do seu sono cai 20% para cada ser vivo que você inclui debaixo do
lençol", diz Stanley.
Segundo o pesquisador, se você divide uma cama de casal padrão, dorme com
nove centímetros a menos de espaço do que uma criança sozinha num colchão
infantil.
Luciana Palombini, do Instituto do Sono, acha exagerado incentivar
casais a dormirem separados. "A companhia traz prejuízos ao sono, mas pode
trazer benefícios emocionais. Dormir junto passa segurança e aconchego, o que é bom para tudo, inclusive
para o sono."
"O casal perde momentos preciosos ao dormir separado", opina Cristiana
Pereira, presidente do Instituto de Terapia Familiar de São Paulo. "A rotina é
tão perversa, cada um tem seu horário. Aquela conversinha gostosa antes de
dormir é o contato mais significativo para muitos."
Segundo a terapeuta, compartilhar a cama também aumenta a frequência do sexo.
PIOR TRANSA
Já a psicanalista e sexóloga Regina Navarro Lins discorda: "Relação íntima
não depende de dormir junto. Por que o sexo funciona entre os amantes? Porque é
agendado. Espontaneidade não funciona nesse assunto. Aquela transa que acontece
quando um pé esbarra no outro é a pior de todas", diz.
Uma pesquisa da Universidade de Surrey, na Inglaterra, feita com 40 casais,
chegou a resultados interessantes. No estudo, os casais dormiram juntos por dez
dias e separados por outros dez.
O sono era monitorado por aparelhos e a cada manhã os voluntários eram
convidados a classificar sua noite entre "boa", "razoável" ou "ruim". No fim da
pesquisa, os aparelhos mostraram que as noites solitárias eram 50% melhores, em
termos de qualidade de sono, mas os entrevistados diziam exatamente o contrário.
"Tudo que envolve o sono é muito individual", comenta Bagnato. "Do ponto de
vista médico nós deveríamos dormir sozinhos. Mas quem são os médicos para
escolher como uma pessoa dorme ou deixa de dormir?", conclui.
Lydia Megumi/Editoria de Arte | ||
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