Transplante de fezes cura tipo grave de colite
Técnica inusitada promove a reconstrução da flora intestinal, tratando a colite pseudomembranosa, que provoca diarreias agudas ou crônicas
Procedimento é feito por endoscopia e leva 15 minutos; alguns pesquisadores já avaliam o uso da técnica para tratar obesidade
Transplante de fezes está promovendo a cura de pessoas que apresentam colite pseudomembranosa, doença que causa diarreias agudas ou crônicas, e pode levar à desidratação, infecção generalizada e até à morte. A nova técnica inusitada, realizada pela primeira vez em fevereiro, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, é considerada um importante avanço no tratamento destes pacientes e também está sendo testada para uso terapêutico de outras doenças. ''Existem trabalhos pontuais que avaliam a aplicação desta técnica para outras doenças, mas ainda não há validade científica para estas pesquisas'', explica o médico gastroenterologista e endoscopista Arnaldo José Ganc, responsável pela realização do procedimento em pelo menos cinco pacientes brasileiros.
O transplante consiste em utilizar as fezes de outras pessoas para recolonizar as bactérias do intestino. O procedimento é necessário já que a colite pseudomembranosa é causada pela proliferação excessiva da bactéria clostridium difficile, que desequilibra a flora intestinal.
O médico explica que são utilizadas fezes de dois doadores visando melhorar a quantidade e qualidade das bactérias. Antes do transplante, as fezes são homogeneizadas e centrifugadas em soro fisiológico. ''Com o endoscópio, levamos o material diretamente ao intestino delgado. O paciente fica sedado durante todo o tempo e não sente nada'', explica. O procedimento é simples e realizado em cerca de 15 minutos. Segundo Ganc, as fezes doadas e 'tratadas' promovem a recomposição da flora intestinal pela riqueza de bactérias, e a diarreia costuma ceder em mais de 80% das vezes, logo na primeira infusão.
Os doadores geralmente são parentes próximos do paciente, mas o médico destaca que esta escolha é mais cultural do que científica, já que não há risco de rejeição. ''A pessoa que vai doar passa por exames de HIV, hepatite e fezes para ver se não possui parasitas ou até mesmo se a própria clostridium difficile não está presente nas fezes'', explica Ganc.
Técnica adaptada
O transplante de fezes por si só é considerado inovador e foi descrito pela primeira vez em janeiro deste ano por médicos holandeses. Os brasileiros adaptaram e melhoraram a técnica, que em sua versão original é feita por sonda nasoenteral, provoca reações adversas como cólicas e náuseas e demora algumas horas para ser realizada. ''Com a utilização do endoscópio, reações de mal-estar não acontecem porque colocamos o material bem longe do estômago. Após a adaptação, a técnica se tornou mais rápida e confortável para o paciente'', salienta o médico. Ganc acrescenta que o tratamento não apresenta contraindicações nem mesmo para crianças.
''O transplante de fezes possibilita a cura de uma doença muito incômoda. Estamos dando um passo largo neste sentido'', complementa o endoscopista. O tratamento anterior a este procedimento era baseado no uso de medicamentos antibióticos, mas possibilitava apenas a redução da frequência das diarreias e não a cura da doença.
Diante do desenvolvimento e da adaptação da técnica, muitas pesquisas passaram a ser elaboradas em torno do assunto. ''Há estudos que apontam que o transplante de fezes pode até mesmo reduzir a obesidade de ratos de laboratório geneticamente obesos'', explica. Por conta do benefício trazido pela técnica, Ganc afirma que está sendo estudada a possibilidade de criar um banco de doadores.
Michelle Aligleri
Reportagem Local
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