Asexual Visibility and Education Network |
Michael Doré tem 28 anos e nunca beijou. Nem pretende. Beijos, carinhos e qualquer forma de contato íntimo lhe causam repulsa. “O sexo me enoja”, diz. “Sou um assexual convicto.”
É quase impossível imaginar que um cara como ele, charmoso, bem-sucedido — é um matemático norueguês e PhD da Universidade de Birmingham, na Inglaterra —, sequer pense em transar. Ainda mais nos dias de hoje, em que sexo e orgasmo são quase uma obrigação.
E, antes que você se pergunte o que há de errado com Michael, ele mesmo responde: “Não, não sou gay, não fui abusado na infância, nem tenho problemas hormonais. Eu simplesmente não gosto de transar”.
Assim como ele, a pedagoga mineira Rosângela Pereira dos Santos, o bancário americano Keith Walker e uma legião de assexuados dos mais diferentes cantos do planeta começam a sair do armário. São homens e mulheres de todas as idades, perfeitamente capazes de fazer sexo, mas sem nenhum apreço pela coisa. Gente que, graças ao apoio da Aven (Asexual Visibility and Education Network), rede que luta pela visibilidade dos assexuados no mundo, conseguiu se unir para levantar a bandeira da abstinência e lutar para que a assexualidade seja reconhecida como uma quarta orientação sexual (além de héteros, homos e bissexuais).
Sob o slogan “It’s o.k. to be A” (algo como “tudo bem ser assexuado”), essa turma tem frequentado as passeatas gays de Nova York, São Francisco, Londres e Manchester. No grupo, lutando contra o preconceito em relação aos que não gostam de transar, há desde aqueles que nunca tiveram uma relação sexual na vida, até os que fazem sexo por obrigação, para não perder o parceiro.
“Por assexual entende-se apenas aquele que não sente atração sexual, não o que não é capaz de se envolver”, explica a socióloga Elisabete Oliveira, que fez do assunto tema de seu doutorado na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
“Existem os assexuais românticos e os não românticos. O primeiro grupo consegue se apaixonar, casar e até ter filhos — desde que não haja sexo envolvido. O segundo não gosta de carinhos e não se sente apto a se apaixonar.” Esses dois grupos também podem ser classificados como libidinosos ou não.
“Ser assexual não significa, necessariamente, não ficar excitado”, afirma o bancário americano Keith Walker, 37 anos. “Muitos de nós se masturbam, mas não estabelecem relação entre isso e o sexo. É apenas uma maneira de relaxar e aliviar o stress”, diz.
Segundo a psicóloga paulista Tânia Mauadie Santana, hoje é comum que a energia que antes era sexual seja canalizada para outras áreas da vida. “A libido é uma energia vital, o que não necessariamente se manifesta só nos órgãos sexuais. O desejo pode ser direcionado para o trabalho, a comida e as atividades físicas”, diz.
Com as recentes investidas no chamado Viagra feminino — comprimido à base de flibanserina que promete devolver a libido à mulher que a perdeu e apresentá-la a que nunca teve —, a comunidade médica tem falado muito em “desejo sexual hipoativo”. O termo, catalogado há mais de 30 anos pela Organização Mundial da Saúde como uma “disfunção sexual”, tem conotação pejorativa para assexuados, que, com razão, não querem ser vistos como doentes.
No Brasil, 9% das mulheres não acham o sexo importante para o casamento |
Para mostrar (e entender) que é possível ser feliz sem sexo, Marie Claire se cadastrou em redes e sites de relacionamento onde assexuais trocam ideias, causas e bandeiras.
No Brasil, o site Refúgio Assexual, criado pelo pernambucano Julio Neto, de 19 anos, é o principal local de convergência dessa turma. “Muitos chegam aos fóruns com sentimento de culpa. É compreensível. Na sociedade em que vivemos hoje, em que se usa o sexo para vender de geladeiras a refrigerantes, é quase um crime não querer transar”, diz ele.
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