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sábado, 19 de março de 2011

DIABETES e RESTRIÇÃO PROTEICA DA GRÁVIDA

Prof. Mandarim-de-Lacerda, médico, destaca que a herança perversa do
diabetes para filhos, e até netos, trará um elevado custo social para o Estado
A importância de uma alimentação balanceada para o funcionamento saudável do organismo não é novidade. Mas, agora, pesquisa realizada no Centro Biomédico da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) apresenta um dado que reforça a necessidade da boa nutrição: o estilo da alimentação durante a gravidez tem efeitos não só para a mãe, mas pode ser determinante para a qualidade da saúde dos filhos, durante a vida adulta, e continuar influenciando até mesmo a saúde dos netos.
O trabalho, coordenado pelo professor e médico Carlos Alberto Mandarim-de-Lacerda no Laboratório de Morfometria, Metabolismo e Doença Cardiovascular da universidade, mostrou que, em roedores, uma dieta materna carente em proteínas durante a gestação prejudica a formação de determinados órgãos dos filhotes – como o pâncreas – tanto na primeira geração (filhos), como na geração seguinte (netos), levando ao desenvolvimento precoce de diabetes tipo 2.
A explicação para o fenômeno, observada pela equipe do professor Mandarim-de-Lacerda, depois de oito anos de estudos, é simples. A alimentação materna com níveis insuficientes de proteínas, durante a gravidez, causa alterações estruturais no pâncreas dos filhotes ainda no útero materno. Mais especificamente, a formação das chamadas células beta do pâncreas, responsáveis pela produção de insulina, é prejudicada. “Os filhotes dessas mães e seus netos nascem com um número consideravelmente menor de células beta pancreáticas, em relação aos filhotes de mães alimentadas com um nível adequado de proteínas”, explica o professor. Para quantificar o número de células beta do pâncreas desses filhotes, os pesquisadores analisam a massa destas células nos cortes histológicos do órgão, com o uso de uma técnica chamada de estereologia, e comparam com a massa celular dos filhotes de mães normais (alimentadas com nível de proteína normal, grupo controle).
Com a produção reduzida do hormônio insulina, o organismo passa a ter dificuldade para metabolizar glicose, que acaba se acumulando no sangue e provoca o diabetes – um importante fator de risco associado ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares, de deficiências na microcirculação, da insuficiência renal e até da cegueira. Essas alterações na formação das células beta pancreáticas trazem problemas para o resto da vida do recém-nascido. “As células beta do pâncreas normalmente são formadas apenas durante a gestação. Depois do nascimento, elas não podem mais ser formadas”, esclarece.
Por esse motivo, as alterações estruturais no pâncreas trazem efeitos praticamente irreversíveis, mesmo que os filhotes sejam alimentados normalmente após o nascimento até a maturidade. “Quando o indivíduo é jovem, mesmo que tenha menos células beta do que o normal, ele ainda consegue manter o equilíbrio nos níveis de glicose no sangue. Mas na medida em que, com o avanço da idade, elas vão morrendo naturalmente, o corpo não responde mais ao excesso de glicose e o indivíduo adulto apresenta diabetes tipo 2 invariavelmente mais cedo, e não apenas na terceira idade”, completa o chefe do laboratório, lembrando que o aumento da longevidade no País é um fator que vai contribuir para tornar esses efeitos mais nítidos. “Se uma criança nascer programada para ter diabetes tipo 2 aos 30 anos, ela vai chegar aos 50 com todas as complicações possíveis.”
Uma questão social
O estudo teve como desdobramento a publicação de um artigo na conceituada revista britânica Clinical Science e será tema de outro artigo a ser publicado, ainda neste semestre, na americana Mechanisms of Ageing and Development.
Para Mandarim-de-Lacerda, que é Cientista do Nosso Estado, programa símbolo da Fundação, e que vem recebendo apoio da FAPERJ ao longo dos últimos anos por meio de editais, como o Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex) e o Apoio às Universidades Estaduais do Rio de Janeiro, os resultados da pesquisa alertam para a necessidade de formulação de políticas de saúde pública que considerem o custo social dessa herança perversa. “Como os casos de desnutrição de mulheres grávidas no Brasil ainda persistem, é preciso contabilizar o custo que o Estado terá em um futuro próximo com o tratamento das gerações descendentes dessas mães que tiveram restrição proteica na gravidez”, destaca.
O aumento dos casos de obesidade, que já é considerada uma epidemia no Brasil, inclusive nas classes sociais mais desfavorecidas, é outro fator que complica esse quadro.
De acordo com dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em agosto de 2010, mais da metade da população adulta brasileira está acima do peso. “Geralmente o obeso é um desnutrido, que geralmente se alimenta com refeições hipercalóricas e come pouca proteína”, explica o professor. Por isso, a população obesa feminina poderia ser enquadrada no grupo que sofre restrição proteica, principalmente durante a gravidez, “programando” seus filhos e netos para ter complicações precoces. Se a grávida desenvolver diabetes e for hipertensa, além de ter um consumo insuficiente de proteínas, os danos ao feto se potencializam. “Do ponto de vista da gestão da saúde pública, esse problema é uma equação que não fecha”, alerta.
A ideia de criar essa linha de pesquisa no Laboratório de Morfometria, Metabolismo e Doença Cardiovascular da Uerj surgiu por influência da chamada Teoria de Barker. Na década de 1980, o epidemiologista David Barker observou que a população da Holanda na faixa dos 40 anos apresentava complicações, como diabetes, hipertensão, doenças cardíacas e dislipidemia, em níveis bem superiores em relação ao restante da população europeia. Barker localizou a origem dessa disparidade na Segunda Guerra, quando as mães dessa geração com a saúde comprometida precocemente sofreram privações alimentares. “Por serem filhos de mulheres que sofreram restrição proteica durante a gestação, eles provavelmente tinham menor número de células beta no pâncreas, de cardiomiócitos no coração e de glomérulos nos rins, ou seja, estavam programados para apresentar doenças antes do normal”, justifica Mandarim-de-Lacerda. Hoje, essa teoria é um fato aceito internacionalmente, com o nome de imprinting ou programming.

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