Fumaça de cigarro, mesmo apagado,
impregna ambiente e eleva risco de câncer.
Cientistas chamam este grupo de
pessoas afetadas como “fumantes de terceira mão”, uma terceira categoria,
depois de fumantes ativos e passivos.
O consultor Carlos Rossi acende charuto no ambiente externo da casa, isolado por vidros, enquanto é observado pela mulher e pelo filho caçula Léo Martins
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Antes o cigarro só fazia mal a
quem fumava. Depois passou a ser vilão também para quem inalasse a fumaça, ou
seja, mulher de fumante é fumante passiva. Agora, de acordo com pesquisadores
americanos, o tabagismo ganha mais uma culpa: mesmo com a brasa já há tempo apagada, ambientes devidamente defumados pelo tabaco são impregnados de
partículas com efeitos cancerígenos por até dois meses, batizados com a
expressão inglesa “thirdhand smoke”, ou “fumo de terceira mão”, em tradução
livre. Isso mesmo, se seu filho vai à escola no carro em que você fuma o resto
do dia, ele está mais exposto que aquela criança com pais que não gostam de
tabaco.
Como se trata de um tema de
estudo recente - os primeiros trabalhos de referência começaram a ser
publicados em 2009 -, o que se conseguiu provar até agora é que o risco existe.
Mas ainda não se sabe se o fumo passivo é mais ou menos perigoso que o efeito
dos ambientes impregnados por nicotina.
Reação devolve cancerígeno ao ar
A principal substância em questão
é a nitrosamina. É o cancerígeno resultante da queima da nicotina e se
apresenta em várias versões. Um estudo da Universidade de Berkeley, na
Califórnia, tido como referência desde então, provou que o óxidos de nitrogênio
disponíveis no ar, sobretudo nas grandes concentrações urbanas e industriais,
reagem com a nicotina impregnada a ponto de torná-la de novo em nitrosamina
inalante. O problema é que resíduos de nicotina têm capacidade de ficar
depositados em superfícies de ambientes fechados, assim como em tecido e na
pele humana.
Neste caso, entra em cena uma
nova vítima do cigarro: nem o primeiro, aquele que traga; nem o segundo, que
respira a fumaça; mas o que convive com a nitrosamina que reagiu com o óxido
nítrico.
- Sabemos muito pouco sobre os
riscos do “fumo de terceira mão” em separado daqueles causados pelo fumo
passivo, sobretudo porque é difícil medir um sem o outro. Crianças que são
expostas à fumaça também frequentam ambientes impregnados pelas partículas - explica
a pediatra Suzanne Tanski, da Universidade de Dartmouth-Hitchcock, nos EUA, e
uma das pioneiras do estudo dos efeitos dos resíduos da nicotina.
Resíduos agridem DNA humano
Mas as pesquisas avançam. Existem
nitrosaminas que não estão na fumaça do cigarro, mas são formadas tempos depois
de impregnarem o ambiente e reagirem com a poluição, como a substância
conhecida pela sigla NNA.
Mohamad Sleiman, pesquisador de Berkeley, publicou
mês passado em coautoria com outros cientistas americanos uma pesquisa que
analisou como as células humanas se comportam sob o efeito do NNA. Culturas de
células expostas a este tipo de nitrosamina tiveram o código genético mais
danificado que outras sem a substância. Entre as causas do desenvolvimento de
câncer está a agressão química ao DNA.
- Nossas pesquisas mostraram que
materiais porosos, como o algodão, podem absorver ou reter mais resíduos da
fumaça que materiais menos porosos, como o vidro - conta Sleiman. - Há vários
produtos que são usados para remover a sujeira da nicotina, como vinagre,
bicarbonato de sódio, limpadores de vidro e, para carpetes, trissulfato de
sódio, mas precisamos de mais pesquisas para estabelecer protocolos para a
remediação do fumo de terceira mão.
Ricardo Meirelles, pneumologista
da Divisão de Controle do Tabagismo do Instituto Nacional do Câncer, explica
que os estudos americanos elevaram as restrições ao fumo para um novo patamar.
O efeito retardado da fumaça vira, portanto, mais uma prova contra os
fumódromos em ambientes fechados, já devidamente proibidos desde o fim de 2011
por uma lei federal que substituiu parte da lei antifumo de 1996.
- Foram descobertas 11
substâncias cancerígenas liberadas pela reação com o óxido nítrico - disse o
pneumologia sobre as nitrosaminas, entre as quais inclui-se o NNA,
exclusividade do fumo de terceira mão. - O tempo tem revelado mais e mais
riscos ligados ao cigarro, e as restrições ao fumo não se tratam de
discriminação com os fumantes, é questão de saúde pública.
Meirelles reivindica agora a
regulamentação da lei federal antifumo pelo Congresso Nacional. Falta
estabelecer a punição para quem descumprir a norma. Ele reclama que a lei da
forma que está ainda não consegue vencer contradições impostas por legislações
de alguns estados. Como vanguarda, ele destaca os estados de Paraná, Rondônia,
São Paulo e Rio de Janeiro, que têm suas próprias leis de ambientes livres do
cigarro, ou seja, não pode nem no fumódromo, só ao ar livre. A lei federal não
especifica a proibição em quartos de hotéis, mas há redes de hospedagem que
escolheram ser mais rigorosas e proibiram também o fumo dentro das instalações
fechadas, grande vantagem para quem não gosta de conviver com estofados e
cortinas impregnados de nicotina, cheiro agora tido como nocivo.
Até a lei federal de 2011, no
entanto, muita fumaça teve que ser dispersa. Apenas em 1950, séculos depois da
introdução do fumo como hábito entre europeus e seus descendentes, um estudo
britânico conseguiu associar a queima do tabaco ao câncer. Só 34 anos depois, a
partir de uma pesquisa japonesa feita com mulheres de fumantes, a ciência
provou pela primeira vez que o fumo passivo aumentava os riscos de morrer com a
doença. Naquela época, fumava-se indiscriminadamente em qualquer lugar, até em
avião ou na frente dos filhos sem a menor culpa. Hoje soaria absurdo, mas no
Brasil dos anos 80 existiam até chocolates em forma de cigarrilhas, com uma
criança “fumante” sorrindo na embalagem. De acordo com o pneumologista Luiz
Carlos Corrêa da Silva, da Comissão Antitabagismo da Sociedade Brasileira de
Pneumologia, são as crianças as mais sensíveis aos efeitos do cigarro.
- Se há cheiro de cigarro, é por
que existem partículas inalantes. Cada descoberta se soma à constatação de que
não existe nível tolerável ao convívio com o cigarro - diz o pneumologista
sobre o fumo de terceira mão. - Quanto menor a criança, mais suscetível à
fumaça ambiental. O pulmão, até os 8 anos, é imaturo, pois ainda não tem o
número de alvéolos de um adulto.
O consultor Carlos Rossi viveu
bem a mudança de status do cigarro na sociedade. Largou o cigarro e agora fuma
charutos, segundo ele, com menos frequência. A aversão à fumaça começa dentro
de casa. A filha de 17 anos odeia o cheiro. Com o nascimento do filho no ano
passado, Rossi aboliu de vez a fumaça em casa. Charutos, só dentro das lojas do
ramo, ou na varanda, que é isolada.
- Antigamente não havia
consciência sobre os efeitos da fumaça, agora não exponho de forma alguma meus
filhos. Nem no carro eu fumo - diz o consultor, que contou que as dificuldades
com o mergulho esportivo também o incentivaram a deixar o cigarro.
Largar o vício é, de fato, uma
vitória. Jaqueline Issa, diretora do Programa de Tratamento do Tabagismo do
Incor, em São Paulo, diz que, na lista de substâncias que causam dependência, a
nicotina só perde para a heroína e o crack na dificuldade em largar.
- Os estudos de contaminação de
ambientes podem ajudar a mudar o comportamento a respeito do fumo. O carro hoje
virou o fumódromo dos pais conscientes, mas provou-se que isso não é mais
seguro - resume Jaqueline, que faz coro pela regulamentação da lei que proibiu
os fumódromos.
FONTE: REDE ACT
Leia mais sobre esse assunto em
http://oglobo.globo.com/saude/fumaca-de-cigarro-mesmo-apagado-impregna-ambiente-eleva-risco-de-cancer-8226881#ixzz2RnHY8fUb
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