Toxoplasma gondii no fluido ascítico de ratos. Biblioteca de Imagens de Saúde Pública do CDC |
Protozoário unicelular pode alterar
comportamento de humanos e levar hospedeiros a atentar
contra a própria
vida.
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O Toxoplasma gondii é provavelmente o parasita mais interessante do planeta.
Esse Protozoário unicelular vive e se reproduz no organismo de gatos, produzindo células ovais que
se movem com os movimentos intestinais dos felinos e são eliminadas nas fezes, prontas para
infectar outros animais que entrarem em contato com os dejetos do animal. Uma vez em seu
novo hospedeiro, o parasita adquire forma de cisto e se aloja em vários tecidos, incluindo os
cerebrais. Mas o Toxoplasma só pode continuar seu ciclo de vida e atingir a fase adulta se
conseguir entrar no organismo do gato. E o parasita evoluiu de modo a garantir que isso
aconteça: a infecção por Toxoplasma altera o comportamento de ratos, por exemplo,
fazendo-os perder o medo de cheiro de gatos (alguns chegam até a sentir atração
sexual com o odor) ao sequestrar as rotas
neuroquímicas no cérebro dos roedores.
Os ratos, porém, não são as
únicas vítimas do Toxoplasma: cerca de 1/3 da população
mundial carrega
esses parasitas na cabeça. E já que o Toxoplasma não tem problemas
para
afetar ratos, que têm cérebro semelhante ao nosso, cientistas querem saber como
o
parasita afeta o nosso órgão, que é grande e complexo. Por mais de uma década
pesquisadores investigaram de que maneira essa criatura unicelular afeta a
forma
como pensamos e descobriram que, como previsto, o Toxoplasma altera o
comportamento humano e pode ter influência sobre diferenças culturais entre
nações.
A ideia de que esse pequeno parasita possa influencia nossa mente
é antiga, mas acreditava-se
que os efeitos colaterais da infecção fossem
relativamente inofensivos. Agora, porém, há cada vez
mais evidências de que as consequências psicológicas da infecção são muito mais sombrias
do que
pensávamos.
Em 2003, E. Fuller Torrey, do Instituto de Pesquisas Médicas
Stanley, em Maryland,
e seus colegas perceberam que mulheres infectadas com
quantidades altas de Toxoplasma
apresentavam maior tendência a ter
filhos esquizofrênicos. A hipótese levantada para esse
fenômeno é que ainda que
na maioria das pessoas infectadas o Toxoplasma tenha
efeitos reduzidos,
em algumas as mudanças são mais pronunciadas. E a ideia ganhou força:
outro
artigo descobriu, por exemplo, que antipsicóticos funcionavam tão bem
quanto
medicamentos antiparasíticos para restaurar o comportamento normal de ratos
infectados, confirmando as similaridades entre problemas psicológicos e infecção
por toxoplasma.
Seguindo as pesquisas com pacientes psiquiátricos,
cientistas descobriram uma ligação entre
suicídio de pessoas que já apresentavam
transtornos mentais e infecção parasítica. De
maneira semelhante, um estudo
descobriu que países com altas taxas de infecção
por Toxoplasma
apresentavam também altas taxas de suicídio – mas a conexão entre os
dois era
fraca e não havia evidência direta de que mulheres que cometeram suicídio
estavam
infectadas.
O que os cientistas realmente queriam entender era se o Toxoplasma
afetava pessoas
sem predisposição a problemas psicológicos. Para isso, os níveis
de anticorpos séricos
para Toxoplasma gondii foram coletados dos filhos
de mais de 45 mil mulheres, na Dinamarca,
como parte de um estudo de triagem
pré-natal – já que crianças não produzem anticorpos
até três meses após o
nascimento, os níveis de anticorpos presentes refletem a resposta
imune da mãe.
Dessa maneira os cientistas foram capazes de examinar não apenas se as
mulheres
estavam com o parasita, mas também avaliar o nível de infecção, já que altos
níveis de anticorpos são indicadores de infecções piores. Em seguida, eles
consultaram
o Registro de Causa Mortis da Dinamarca, o Registro do
Hospital Nacional da Dinamarca
e o Registro Central de Pesquisas Psiquiátricas
da Dinamarca e investigaram a correlação
entre infecção e violência
autodirigida, incluindo suicídio.
Os resultados foram claros: mulheres
com infecções por Toxoplasma tinham tendência 54%
maior de tentar
acabar com a própria vida – e uma tendência duas vezes maior de conseguir.
Essas
mulheres, em geral, tentavam suicídios violentos (usando facas ou armas, por
exemplo,
em vez de uma overdose de remédios). O mais preocupante, no entanto, é
que o risco de
tentar o suicídio foi positivamente relacionado com o grau de
infecção: mulheres com
níveis mais altos de anticorpos tinham uma tendência 91%
maior de tentar suicídio, comparadas
com as não-infectadas. A conexão entre
parasitas e suicidas se manteve até mesmo para
as participantes sem histórico de
doenças mentais: entre elas, mulheres infectadas tinham
uma tendência 56% maior
de cometer violência autodirigida.
Apesar de parecerem assustadores,
esses resultados fazem sentido quando pensamos
sobre como o Toxoplasma
afeta nossa personalidade. Em 2006, pesquisadores ligaram
a infecção ao
neuroticismo em homens e mulheres. O neuroticismo, como definido pela
psicologia, é “uma tendência contínua de experimentar estados emocionais
negativos”,
incluindo depressão, culpa e insegurança. A ligação entre
neuroticismo e suicídio está bem
estabelecida. Dessa forma, se o parasita deixa
as pessoas mais neuróticas, não é surpresa
que influencie as taxas de
autoviolência.
Os autores sugerem que nosso sistema imune pode ser o
culpado pelas alterações: quando
somos infectados com um parasita como o
Toxoplasma gondii, nosso sistema imune vai ao
ataque, produzindo um
grupo de moléculas chamadas citocinas, que ativam vários tipos de
células imunes. O problema é que pesquisas recentes ligam altos níveis de citocinas à depressão e a tentativas de suicídio violento. O mecanismo exato por meio do qual as citocinas provocam depressão e outras doenças mentais ainda é pouco compreendido, mas sabemos que elas são capazes de atravessar a barreira sangue-cérebro e alterar neurotransmissores cerebrais como serotonina e dopamina.
Os autores alertam que, contudo, que correlação não é causa. “A
tentativa de suicídio é um
efeito direto do parasita sobre o funcionamento do
cérebro ou uma resposta imune exagerada
induzida pelo parasita? Não sabemos”,
reforça Teodor T. Postolache, autor sênior,
professor associado de psiquiatria e
diretor do Programa de Humor e Ansiedade da
Escola de Medicina da University of
Maryland. “Não podemos dizer com certeza que o
T. gondii provocou as
tentativas de suicídios dessas mulheres”.
“Na verdade não excluímos a
causalidade reversa, já que pode haver fatores de risco para
o comportamento
suicida que também tornam as pessoas mais suscetíveis à infecção por
T.
gondii”, explicou Postolache. Mas, dada a forte ligação entre os dois, há
um
potencial real para a intervenção terapêutica. “Se pudermos identificar uma
relação, podemos
ser capazes de prever quem corre risco de tentar suicídio e
oferecer tratamento”.
O próximo passo será cientistas determinarem se (e como)
esses parasitas provocam
pensamentos negativos. O dado mais preciso e
preocupante é que a prevalência
do Toxoplasma está aumentando, devido
ao nosso modo de vida e à mudança climática.
FONTE:
por Christie Wilcox http://www2.uol.com.br/sciam/noticias/o_lado_negro_do_toxoplasma_a_ligacao_entre_parasita_
e_suicidio.html |
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