A adolescência é tipicamente marcada por uma preocupação maior com a aparência, em todo o mundo. Muitos reality shows tiram proveito desta preocupação e relacionam a cirurgia plástica à felicidade. É o que defendem pesquisadores da Universidade de Rutgers/Camden, em Nova Jersey (EUA), que descobriram que jovens que são fãs deste tipo de programa são mais suscetíveis a querer realizar uma cirurgia plástica, no futuro.
Charlotte Markey, professora do Departamento de Psicologia da Universidade de Rutgers-Camden, juntamente com seu marido, o pesquisador Patrick Markey, publicaram, recentemente, um estudo sobre este tema no jornal acadêmico Body Image.
Os pesquisadores entrevistaram cerca de 200 jovens, com idade média de 20 anos. Homens e mulheres foram incluídos no estudo. Confirmando a hipótese inicial dos pesquisadores, as mulheres demonstraram-se mais propensas a querer realizar uma cirurgia plástica do que os homens. E dentre o grupo de pesquisados, os espectadores de reality shows eram mais inclinados a considerar a realização de uma cirurgia plástica do que aqueles que não assistiam a estes programas.
Para a pesquisadora, o conteúdo das respostas dos participantes do estudo que eram fãs de reality shows foi muito revelador. Afirmações como “inspirador” e “eu vi uma menina infeliz realizar seus sonhos, após a plástica”, revelam a influência deste tipo de programa de TV em mentes ainda em formação. Para Charlotte Markey, “quando adultos pensam numa cirurgia plástica, eles não encaram isto como uma questão de vida ou morte. Mas o que os adolescentes pensam a respeito do seu corpo, hoje, irá contribuir para o próprio conceito de saúde que eles terão, no futuro”.
“É preciso refletir sobre o impacto dos reality shows e das novas mídias -, independentemente do tema - sobre o que está sendo retratado como real para os telespectadores”, defende o cirurgião plástico Ruben Penteado, diretor do Centro de Medicina Integrada.
“Há uma parte da população que nunca estará satisfeita com o próprio corpo, com a própria casa, com o carro que possui. Os reality shows de transformação partem desta pressuposição para mostrar que os indivíduos só podem ser felizes e realizados quando se enquadram em modelos predeterminados e idealizados”, explica o médico.
Para atingir a felicidade, os participantes desses programas passam por inúmeras transformações, desde a simples reforma do guarda-roupa até a radical intervenção proporcionada por uma cirurgia plástica no rosto e no corpo. “Todos esses esforços de transformação da subjetividade visam atingir um modelo estético idealizado, capaz de satisfazer o desejo do participante, da produção do programa, dos patrocinadores e, por fim, do telespectador”, destaca Ruben Penteado, membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
Através de intervenções extremas - cirurgias plásticas ou de reconstituição - ou brandas - transformações de ambientes e habitantes -, os reality shows fazem uma verdadeira apologia à padronização de corpos, comportamentos e mentes, criando imagens de indivíduos seriados e semelhantes. “Ao submeter indivíduos aos ditames das tendências de moda, decoração e modelos de corpo e de rosto, os programas interferem diretamente nas representações e práticas de consumo dos telespectadores, definem gostos, padrões, preferências e modelos no mundo contemporâneo”, diz o médico.
A adolescência é caracterizada por diversas mudanças físicas, psicológicas e comportamentais que, muitas vezes, não justificam a opção pela cirurgia plástica. “É importante destacar que a cirurgia plástica deve ser uma opção nesta etapa da vida, em situações em que a única solução para resolver questões que abalam a autoestima e o estado emocional do jovem seja realmente a cirurgia”, explica Ruben Penteado.
Há casos em que a cirurgia plástica na adolescência ou até mesmo na infância se faz necessária, como o caso das orelhas em abano que podem ser corrigidas a partir dos sete anos de idade, fase em que a cartilagem da orelha está completamente formada. Mas, quando o assunto é puramente estético, o especialista faz uma ressalva: “o médico precisa conversar com os pais e, principalmente, com o adolescente”, afirma o cirurgião plástico.
O médico conta que, em muitos casos, é difícil para os pais impor limites aos filhos, mas eles são necessários. Cada família lida com estes conflitos de maneira distinta. “Quanto às lipoaspirações, em minha opinião, elas estão praticamente contra indicadas na adolescência, pois podemos perder a oportunidade de incentivar o adolescente a adotar hábitos saudáveis como uma boa alimentação e a prática de atividades físicas”, defende o diretor do Centro de Medicina Integrada.
Em casos de mamas gigantes, ou seja, quando notadamente as mamas têm um tamanho desproporcional ao corpo, a cirurgia plástica pode ser feita mesmo precocemente, entre os 14 ou 15 anos, uma vez que comprometem o bom desenvolvimento postural da jovem e limitam as atividades físicas. “Já em relação às queixas de mamas pequenas, só se indica a cirurgia precocemente, antes dos 18 anos, para implante de próteses mamárias, nos casos em que por uma alteração no desenvolvimento das mesmas ocorra uma assimetria muito grande. Mesmo assim, ainda existe a possibilidade de nova intervenção, ao final do período de crescimento para ajustar o resultado”, explica Penteado.
Para contrapor-se à visão de mundo oferecida pela TV, é preciso que a família ensine as crianças e os adolescentes a serem mais críticos diante da informação que recebem. “Como é que se faz isto? Cultivando a autoestima de crianças e adolescentes, dizendo a eles, desde pequenos, que é muito difícil encontrar alguém tão perfeito quanto este ou aquele participante de um reality show. E acima de tudo, reforçando sempre a mensagem de que eles são amados e aceitos do jeito que eles são”, destaca Ruben Penteado.
(Fonte: Márcia Wirth/consumidorrs)
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