Mulheres provam que é possível sobreviver ao alcoolismo.
E contam como conseguiram parar, depois de terem a vida praticamente destruída pela bebida.
Vagabunda. Entre todas as ofensas que Graça* ouviu durante os 26 anos em que bebeu, este é, provavelmente, o único publicável. De outros tantos a chamaram, mas eles são até leves diante das consequências que o alcoolismo trouxe para sua vida. "Eu pedia a Deus para morrer. Bebia na esperança de não acordar mais e minha vida era feita de desculpas." A bebida destruiu sua rotina: afastou a família, tirou o emprego e a fez não se reconhecer mais - uma derrocada assustadora, sobretudo quando levamos em consideração outra realidade: Graça não é a única.
Apesar de o Ministério da Saúde não ter dados sobre o número de mulheres alcoolatras, a pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), que entrevistou 54 mil adultos e foi divulgada em julho, constatou que 10,4% das mulheres bebiam demais. É considerado excesso o consumo de quatro ou mais doses na mesma ocasião em um mês, no caso das mulheres. No Distrito Federal, elas ficaram na segunda colocação no ranking nacional das que mais bebem. Entre as brasilienses que responderam a pesquisa, 16,5% afirmaram ter ingerido, nos últimos 30 dias, uma quantidade superior àquela considerada excessiva.
Mesmo que o consumo exagerado de bebida não caracterize o alcoolismo, o número de mulheres com a doença se aproxima, cada vez mais, do de homens alcoolistas. Presidente da Associação Brasileira de Estudos de Álcool e Outras Drogas (Abead), o psiquiatra Carlos Salgado garante que, quando começou seus estudos na área, há 25 anos, a proporção era sete homens alcoolistas para cada mulher.
"Atualmente, essa proporção é de três homens para uma mulher. E não tenho dúvidas que, em 20 anos, ela será de um para um. Esse aumento é assustador", alerta o psiquiatra. A Revista conversou com mulheres que tiveram suas vidas transformadas pelo vício. Mulheres comuns, de várias idades e classes sociais, que, até reconhecerem a doença, passaram por uma série de dores que só o álcool parecia apaziguar. Contudo, após tratadas, elas mostram que vencer é possível. Mas só quando o copo fica vazio.
Com elas, o álcool é mais cruel
Em seus aspectos patológicos, o alcoolismo é uma doença que acomete homens e mulheres sem distinção. Porém, apesar dos efeitos iguais, nelas os danos são maiores.
Syllene Nunes, consultora Médica de Medicina Preventiva da Central Nacional Unimed, afirma que as mulheres são mais suscetíveis aos danos causados pela ingestão do álcool em comparação aos homens, desde o comprometimento de órgãos por cirrose, câncer ou correlatos como também aos danos resultantes da violência interpessoal e acidentes automobilísticos.
"De acordo com o National Institutes of Health, para uma mesma quantidade de álcool ingerida, as mulheres apresentam efeitos maiores que os homens", cita Syllene. Segundo ela, as mulheres que têm problemas com excesso de álcool também podem desenvolver câncer de mama e danos neurológicos.
Os dramas psicológicos decorrentes do vício também afetam muito mais as mulheres. De acordo com Sônia Mochiutti, gerente do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) do Guará, unidade de saúde que atende aqueles com transtornos decorrentes do uso de substâncias psicoativas, a aceitação do alcoolismo por elas é bem mais difícil, justamente pelo preconceito. "Porque ela é a mãe, é quem orienta, dá o exemplo e não pode errar. Por isso, muitas vezes, a bebida chega de forma silenciosa, como uma válvula de escape à repressão em que elas vivem."
Essa repressão pode vir de várias formas. A que quase levou Vitória* ao fundo do poço foi um marido que a agredia psicologicamente. Hoje, aos 59 anos, ela entende que o despreparo emocional a fez não se separar do marido e a beber todos os dias durante um ano e meio. "Não sabia mais como resolver minha vida." (Fonte: ABEAD)
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