Das coisas que as pessoas fazem, poucas são tão intrigantes para um psiquiatra quanto o uso compulsivo de drogas. Claro, todas as drogas causam uma sensação boa – pelo menos no começo. Para a maioria das pessoas, porém, a euforia não dura. Um paciente meu é dos mais típicos. “Sei que isso soará estranho”, disse ele, “mas a cocaína já não me deixa alucinado, e mesmo assim não consigo parar”.
Quando começou a usar a droga, em seus trinta e poucos anos, meu paciente passava dias em festa, praticamente sem comer ou beber. A sensação era melhor do que qualquer coisa, até mesmo sexo. Alguns meses depois, porém, ele havia perdido a euforia – seguida por seu emprego. Apenas quando sua esposa ameaçou deixá-lo é que ele finalmente buscou tratamento.
Quando o conheci, ele me disse que iria perder tudo caso não parasse com a cocaína. Bem, eu perguntei, por que ele gostava tanto dessa droga, se ela lhe custava tanto e não o fazia mais se sentir bem? Ele me olhou de forma vazia. Não tinha a menor ideia.
E a maioria dos psiquiatras também não tinha, até recentemente.
Entendemos muito bem a atração inicial das drogas. Seja a cocaína, o álcool, os narcóticos, qualquer uma delas, as drogas ativam rapidamente o sistema de recompensas do cérebro – um circuito neurológico primitivo enterrado embaixo do córtex – e libera dopamina. Esse neurotransmissor, que é central ao prazer e ao desejo, envia uma mensagem ao cérebro: esta é uma experiência importante que vale a pena ser lembrada.
Nós não teríamos chegado muito longe como espécie sem esse sistema do cérebro, que nos motiva a buscar recompensas como alimentos e um bom companheiro. O problema é que, embora esses reforços naturais ativem o sistema de recompensas, drogas que alteram a mente o fazem de maneira bem mais poderosa, causando uma liberação de dopamina muito maior.
Em outras palavras, as drogas possuem uma vantagem competitiva sobre as recompensas naturais, e podem sequestrar o sistema de recompensas do cérebro.
Mesmo assim, o prazer agudo desaparece quando os neurônios do circuito de recompensas se acostumam a toda aquela dopamina. Eventualmente, como ocorreu com meu paciente, mesmo doses cada vez mais altas deixam de surtir efeito, à medida que os usuários tentam, em vão, recapturar a sensação inicial. Então o que explica o uso compulsivo de drogas, especialmente quando ele leva o usuário ao limite da ruína pessoal?
Eu recebi uma dica com a última recaída de meu paciente. Após quase seis meses de abstinência, ele se viu inexplicavelmente tendo desejos por cocaína ao voltar do trabalho para casa. Na porta do escritório, ele encontrara casualmente um velho amigo – com quem havia usado drogas, anos antes. Embora não tenha associado conscientemente o amigo às drogas, seu cérebro não se esqueceu, e o encontro desencadeou o desejo de usar novamente.
Em resumo, drogas como cocaína não usurpam somente o circuito de recompensas do cérebro; elas surtem poderosos efeitos também sobre o aprendizado e a memória.
Muitos estudos de geração de imagens cerebrais, usando exames PET (sigla em inglês para tomografia por emissão de pósitrons), mostram que pequenas dicas, como ver equipamentos para uso da droga, por si só já são suficientes para ativar circuitos da memória e libertar o desejo. Informações como onde você está e o que está fazendo enquanto usa uma droga como a cocaína ficam intrinsecamente ligadas à sensação. E essas associações ficam armazenadas não só em sua memória consciente, mas também nos circuitos fora de sua consciência.
Esse tipo de aprendizado patológico fica no núcleo do uso compulsivo de drogas. Muito tempo depois de alguém ter aparentemente abandonado o hábito, muito tempo depois de terminarem os sintomas da abstinência, o indivíduo está vulnerável a essas associações inconscientes, profundamente codificadas, que podem desencadear um desejo, aparentemente do nada.
Eu não podia reconstruir o cérebro do meu paciente. Mas podia ao menos tentar ajudá-lo a reconfigurar seu ambiente, evitando dicas que possam provocar o desejo pela cocaína. Pedi que ele escrevesse uma lista de todas as pessoas e lugares que ele associava a seu uso de droga – e então o fiz ficar longe do máximo possível deles. Sua sorte foi que ele nunca usou drogas em casa.
Mas seus problemas não terminaram ali. Mesmo estando livre da cocaína por quase dois anos, ele sente que a vida não tem brilho e não tem entusiasmo. E essa experiência é consistente com evidências recentes, dizendo que os efeitos de drogas como a cocaína podem perdurar por muito tempo depois que o uso foi interrompido.
Através de exames de tomografia, a Dra. Nora D. Volkow, psiquiatra e diretora do Instituto Nacional do Uso de Drogas dos EUA, mostrou que pessoas dependentes de metanfetaminas têm 25% menos transportadores de dopamina em regiões críticas do cérebro, em comparação a voluntários normais. Como os transportadores levam a dopamina para dentro e para fora dos neurônios, essa queda significa menor liberação de dopamina – e um circuito de recompensas menos sensível.
Terrivelmente, essa redução nos transportadores de dopamina foi apresentada em sujeitos que não haviam usado metanfetaminas por pelo menos 11 meses, sugerindo que o efeito era de longa duração – talvez até mesmo permanente.
Embora meu paciente nunca tenha usado metanfetaminas, a cocaína tem efeitos similares no cérebro. Com anos de uso, ele poderia ter perdido transportadores de dopamina suficientes para que seu sistema de recompensas ficasse entorpecido aos prazeres cotidianos. Afinal, para a maioria dos cérebros, um bom jantar com os amigos ou um lindo pôr-do-sol não são se comparam à euforia da cocaína.
Ainda não sabemos se a perda dos transportadores de dopamina é permanente ou eventualmente reversível. Mas por que se arriscar a levar uma vida entorpecida? A simples verdade é que o prazer das drogas é uma cruel ilusão: ele nunca dura. (Fonte: * Richard A. Friedman é professor de psiquiatria no Weill Cornell Medical College/ notícias.uol.com.br)
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