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terça-feira, 22 de junho de 2010

VOCÊ, CABEÇA-DE-LIXO?

Deve ser coincidência, mas quase todo mundo ao meu redor bebe bastante. Pelas estatísticas do Ministério da Saúde, que considera cinco doses de bebida na mesma ocasião um abuso, (quatro doses, se for mulher) vivo cercado de gente que abusa: mensalmente, semanalmente e até diariamente. Eu mesmo não escapo dessa estatística de excesso. Por quê? Há várias explicações para isso, mas a melhor delas é social. Somos um país de beberrões. Ontem a seleção brasileira jogou no meio da tarde e a balada grã fina ao lado da minha casa rolou até 10 da noite. Tenho certeza de que o pessoal não tomou chá de camomila. Era terça-feira, mas e daí? Temos o hábito de encher a cara hoje e lidar com o problema amanhã.
Outra explicação, de natureza mais íntima, liga o álcool e as drogas em geral às nossas inquietações. Bebemos para conter a ansiedade criada por uma sociedade competitiva, para debelar o estresse do nosso cotidiano, para espantar a angústia e a solidão. Bebemos, assim como cheiramos e fumamos, porque somos frágeis e precisamos prazer. As drogas são nossa fonte fácil de prazer.
A rigor, não há novidade nisso. No século 17, quando a invenção do gim barateou a embriaguez, criou-se do dia para a noite um exército europeu de alcoólatras. Sabe-se, desde então, que na ausência de regras e na abundância de aflições as pessoas podem beber até morrer. Como a sociedade brasileira é uma das mais permissivas do mundo, e não nos faltam problemas escabrosos, é natural que a turma beba até cair, como faz.
O que há de novo nessa história é a presença das mulheres no balcão. Elas parecem estar bebendo como nunca. No meu círculo de convívio, boa parte das mulheres bebe como homem, na quantidade e na freqüência. Bebem vários dias por semana, bebem muito a cada vez que bebem e vêm fazendo isso há anos – desde a universidade, por exemplo.
Pelas estatísticas do Ministério da Saúde, elas ainda não são páreo para os homens. Na cidade de São Paulo, o percentual de mulheres que admite abusar de bebidas (isto é, ter tomado mais de quatro doses em alguma ocasião, nos últimos 30 dias) é três vezes menor do que o de homens. São 21% contra 7%. Os dados são de 2007.
Mas eu tenho certeza de duas coisas em relação a esses números. A primeira é que as mulheres bebem mais do que confessam. Elas têm mais vergonha do que os homens de expor esse tipo de hábito. A segunda certeza é que o percentual das mulheres que bebe com freqüência está crescendo. Na geração da minha mãe era raro. Na minha é banal. Entre as amigas dos meus filhos tende a ser maior – ao menos que a preocupação com a saúde e a beleza intervenha e mude o curso das estatísticas, o que é incerto a esta altura.
Tenho visto as pessoas deixarem de fumar e passarem a fazer esportes. A dieta tem mudado tão radicalmente que muitos de nós se tornaram vegetarianos ou quase isso. Mas poucas mulheres ao meu redor deixaram de beber. Ou sequer diminuíram. Até agora a geração ao redor dos 30 tem dado um jeito de conciliar boteco, balada e exercícios.
Entre as tantas coisas que se pode dizer sobre isso, é essencial deixar uma delas bem clara: as mulheres têm o direito de encher a cara, como têm o direito de fazer o que quiserem. Dançar bêbadas, por exemplo. Se embriagar entre amigos. Flertar e transar depois de uma garrafa de vinho. Mesmo o ato triste de beber sozinha me parece esporadicamente essencial. Faz parte do que nos torna humanos.
No fim de semana passado eu vi Sex and the City 2. Eu sou fã da série e não gostei de quase nada no filme, mas gostei da cena em que Miranda e Charlotte tomam um porre para conversar com liberdade sobre as chatices da maternidade. Aquilo é de verdade. O álcool frequentemente facilita o encontro das pessoas com elas mesmas.
Acho que as mulheres sofrem mais do que os homens as asperezas do dia-a-dia das nossas cidades e que pesam sobre elas pressões e medos que entre os homens são menores. Daí certa propensão melancólica que leva muitas mulheres a beber em casa, sozinhas. Ou abusar do álcool no conforto das amigas. Ou tomar a terceira dose de champagne para superar aquela maldita inibição.
Mas isso não significa que se precise beber tanto e a toda hora. O glamour da embriaguez não resiste ao hábito. Aquilo que é bom de vez em quando se torna um horror quando repetido. A bêbada engraçadinha vira uma inconveniente. A ressaca se transforma em desculpa para faltar ao trabalho. De porre, as mulheres brigam com o namorado, com o porteiro, com o filho. E há mais. Encher a cara com frequência piora a saúde, altera o rosto e engrossa a silhueta – e nada disso ajuda a levantar a auto-estima. Quando se trata de álcool, a dose é essencial.
Eu tenho visto, porém, que muitas garotas estão emulando o machismo dos homens quanto ao álcool. É uma cultura autodestrutiva de “quem bebe pouco é fraco, quem para no meio é frouxo, quem não vai até o fim é bundão”. Há muita diversão e farra nesse caminho, mas ele avança numa direção perigosa. As mulheres são menos resistentes do que os homens ao álcool. Além de causar mais danos físicos, ele pode levá-las a fazer coisas arriscadas. Transar sem camisinha é só uma delas. Além do mais, para homens e mulheres esse tipo de atitude porra-louca aponta numa direção ruim. A garota que bebe todas vai ser convidada a tomar um ácido, cheirar uma carreira e, quem sabe, fumar uma pedra. Onde afinal fica o limite? O final dessa história pode ser pavoroso.
O que fazer com a própria liberdade é sempre um problema, sobretudo quando se é jovem e se tem um monte de coisas a provar a si mesmo e ao mundo.
Mas eu li uma vez uma entrevista de um grande escritor – o paulista Raduan Nassar – que me ajudou a pensar nisso com mais clareza. O jornalista perguntou do que ele mais se orgulhava e a resposta veio límpida: “Eu me orgulho de não ter permitido que enchessem minha cabeça de lixo.”
Em um país como o Brasil, onde ídolos e técnicos de futebol gritam na cara de crianças e adolescentes que é preciso beber para ser brasileiro, que é preciso tomar cerveja para ser vencedor, eu às vezes acho a abstinência um ato higiênico de enorme rebeldia – e o ato de beber apenas uma demonstração de obediência coletiva. Mais uma evidência de que estão enchendo a nossa cabeça de lixo. Nossas cabeças de homem e de mulher. (Fonte: Ivan Martins-revistaepoca.globo.com/ABEAD)

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