Aliny Gama - Do UOL, em Maceió
- Divulgação
- As vítimas de escalpelamento lutam para tentar acabar com o preconceito
Um mutirão foi organizado para atender vítimas de escalpelamento no Amapá. A
expectativa é que as cirurgias reparadoras tragam como resultado, além da
melhora estética, a recuperação da autoestima e ainda ajude a minimizar os
preconceitos. As histórias das mulheres são parecidas. Os acidentes ocorrem
geralmente em embarcações precárias usadas para transporte na região amazônica,
quando os longos cabelos das mulheres são arrancados depois de tocarem em
motores sem proteção. Em alguns casos, além do couro cabeludo, sobrancelhas e
até orelhas são afetadas.
Franciane Campos, 33, sofreu um acidente ainda criança, quando viajava com o
pai em uma pequena embarcação. Ela teve o couro cabeludo arrançado, parte da
orelha esquerda e a pálpebra do olho esquerdo. Ficou mais de um ano internada.
“Estava almoçando na canoa em que viajava com meu pai quando minha colher caiu
no chão da canoa e fui pegar. Meus cabelos bateram no motor e arrancou tudo. Meu
pai se sentiu culpado pelo que ocorreu e saiu de casa, abandonando toda a
família”, lembra.
Agora, com o ajuste na primeira cirurgia plástica a qual se submeteu, em maio
deste ano, espera “ficar com o rosto mais bonito”. “Sei que nunca mais terei
cabelos de verdade, mas pelo menos minha sobrancelha será refeita e a minha
orelha também. Hoje com perucas de cabelo natural disfarçam mais que não temos
cabelos na cabeça”.
A defensora pública federal Luciene Strada diz que um trabalho de
conscientização está sendo realizado com os barqueiros, para que a frota seja
modernizada. São oferecidas linhas de crédito ou proteção para o eixo das
embarcações. “Além disso, conseguimos as cirurgias para estas mulheres, cursos
profissionalizantes e também indenizações para que pelo menos elas consigam
refazer suas vidas”.
Segundo a defensora pública, 12 casos de escalpelamento em embarcações foram
registrados somente este ano na região amazônica. No total, a região teria cerca
de 400 pessoas vítimas de escalpelamento.
Dificuldades no mercado de trabalho
O acidente de Rosinete Serrão, 35, ocorreu há 20 anos, quando ela tirava água
da canoa em que viajava e teve os cabelos arrancados depois de tocarem no motor.
A jovem morava no Pará quando ocorreu o acidente e resolveu se mudar para o
Amapá, onde conheceu outras vítimas e fundou a Associação de Mulheres
Ribeirinhas Vítimas de Escalpelamento da Amazônia. Um dos focos da entidade é a
luta pelos direitos das vítimas.
“Enfrentamos muito preconceito, é no mercado de trabalho, é na escola, é num
restaurante. Em todo lugar que andamos as pessoas não param de olhar ficam
apontando e ainda saem de perto. Isso me deixava deprimida e eu nem conseguia
falar. Tinha vergonha de aparecer e pedia para que as pessoas falassem por mim.
Hoje minha vida mudou, como também a de outras vítimas”, afirma Rosinete, que
deverá se submeter a cirurgia reparadora de uma das sobrancelhas e orelhas
apenas em novembro, porque foi mãe recentemente.
Tanto Rosinete quanto Franciane ressaltam a dificuldade que enfrentam para
conseguir emprego, por conta das sequelas do acidente.
“Não sou inválida, mas as empresas acham que as mulheres que tiveram
escalpelamento não podem desempenhar nenhuma função. Somos inteligentes e
podemos ser capazes de trabalhar, de pensar, de viver igual aos outros. Quando
procuramos o INSS dizem que temos condições de trabalhar, temos sim, mas falta
oportunidade porque o preconceito é tão grande que ninguém quer empregar uma
vítima de escalpelamento”, reclama Rosinete.
“Trabalho lavando roupas das pessoas no rio. Nunca tive a oportunidade de ser
empregada. Quando há seleção nem passamos da entrevista porque as empresas
inventam que vão nos telefonar para chamar e não acontece. Conheço apenas uma
pessoa, das 119 associadas, que conseguiu ser empregada”, diz Franciane.
Mutirão
Em maio deste ano, médicos da Sociedade Brasileira de Cirurgias Plásticas
estiveram no Amapá fazendo as avaliações cirúrgicas e a colocação de expansores
(equipamento usado para esticar o couro cabeludo) nas vítimas. Quarenta
cirurgiões retornaram à capital nesta sexta (17) e sábado (18) para dar
continuidade ao processo, por meio do mutirão organizado pelo governo do
Estado.
“Na primeira etapa, ocorrida em maio, os médicos fizeram avaliações nas
mulheres, analisaram caso a caso. Eles informaram a cada uma dessas mulheres o
que poderia ser feito e o resultado que conseguiriam obter nas cirurgias. Não
vai ficar 100%, mas elas já estão bastante felizes por amenizarem as marcas dos
acidentes nos corpos”, diz a defensora pública.
“Todas nós esperamos muito por este momento, pois nunca tivemos condições
financeiras de custear cirurgias reparadoras. Isso vai nos fazer sentir melhor,
vamos ficar mais bonitas, fará bem para a autoestima e ajudará a nos inserir no
mercado de trabalho”, conclui Rosinete.
É ou não é para se chorar! Ou gritar! Ou.......
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