Para imprensa internacional, mensalão ameaça legado de Lula
Reportagens publicadas nas últimas semanas por jornais da Argentina, Espanha, França e Inglaterra destacam a “cultura da corrupção” no Brasil
Matéria do jornal francês Le Monde sobre o mensalão
(Reprodução)
“Quem seguramente não perderá nenhum episódio será Lula,
fundador do PT, que, em que pese não ser réu, tem muito em jogo”
Além de dominar as manchetes dos principais jornais do Brasil, o julgamento
do mensalão entrou na pauta da imprensa internacional. Nas últimas duas semanas,
jornais de todo o mundo destacaram em suas páginas o “julgamento do século” do
Brasil. Os periódicos estrangeiros aproveitaram o episódio para falar sobre a
cultura da corrupção no país e alertaram: o julgamento será uma oportunidade
para mudar esse mau hábito dos políticos brasileiros.
A imprensa internacional analisa ainda que o julgamento põe em xeque o
legado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pode comprometer os planos
do petista de voltar ao poder. O francês Le Monde apresenta o mensalão
como “o escândalo que quase custou a reeleição de Lula em 2006”. Jornais
americanos e europeus concordam, no entanto, que o mensalão não deve comprometer
a imagem da presidente Dilma Rousseff, mesmo sendo ela do PT. Na avaliação dos
estrangeiros, Dilma conseguiu mostrar compromisso com a transparência e o
combate à corrupção, ao demitir sete ministros envolvidos em escândalos.
“A sucessora de Lula conseguiu um bônus de credibilidade entre os
brasileiros depois de destituir sem hesitação um punhado de membros de seu
gabinete acusados de corrupção”, afirma editorial do espanhol El País,
em 6 de agosto. “Parece improvável que Dilma seja diretamente afetada pelo
julgamento, pois demitiu ministros envolvidos em escândalos”, diz reportagem
publicada em 2 de agosto no The Guardian, da Inglaterra.
“Dilma teve uma atitude bem diferente da de Lula diante de acusações de
corrupção que surgiram durante seu governo desde que assumiu o poder”, lembra o
La Nacion, da Argentina. “Diante de denúncias da imprensa contra seus
funcionários, a presidente pediu explicações imediatamente e, não as
considerando adequadas, exigiu a renúncia dos suspeitos.”
Os jornais destacam as falas contraditórias do ex-presidente Lula a
respeito do mensalão: ele primeiro pediu desculpas pelo erro e agora nega a
existência do esquema. Na análise do La Nacion, o julgamento será um
"teste de Teflón" de Lula – lembrando a tese segundo a qual nenhuma má notícia
"cola" no petista. “Em 2005, as acusações não aderiram a Lula pois ele
argumentou ter se sentido traído por seus companheiros de partido. Ele superou a
crise com um pedido de desculpas pelos "erros" do governo e do PT”, afirma o
jornal da Argentina. “Nos últimos anos, no entanto, depois de conseguir eleger
Dilma, Lula desqualificou as acusações do mensalão e passou a tratá-las como uma
invenção da imprensa.”
O La Nacion chega a ironizar a preocupação de Lula com o
julgamento. “O escândalo pode até mesmo ofuscar o truculento enredo da
telenovela mais popular do momento, Avenida Brasil”, diz o jornal, em artigo de
2 de agosto, dia do início do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).
“Quem seguramente não perderá nenhum episódio será Lula, fundador do PT, que, em
que pese não ser réu, tem muito em jogo.”
O francês Le Monde afirma que a esquerda brasileira parece ter
aprendido pouco com o mensalão. “A esquerda parece não ter aprendido nada
substantivo. A questão, além de financiamento de campanha, era o tipo de aliança
formada pelo PT”, diz o jornal em artigo de 1º de agosto. “Para formar maioria
no Congresso e um governo estável, os dois presidentes do PT ligaram seus
destinos a partidos sem identidade e sem programa.”
Cultura de corrupção - O Le Monde aproveitou o
início do julgamento e publicou no dia 3 de agosto um retrospecto mostrando como
casos de corrupção estão intrincados na história política do Brasil. Entre os
personagens rememorados pelo jornal francês estão o ex-governador paulista
Adhemar de Barros e seu bordão "rouba, mas faz"; o ex-presidente Fernando
Collor, que sofreu impeachment e hoje é senador e aliado de primeira hora do PT;
o presidente do Senado, José Sarney; e o ex-governador Paulo Maluf. “Casos como
o do ex-presidente Collor mostram como a luta contra a impunidade está longe de
ser vencida. Daí a importância do veredicto de Brasília”, conclui o jornal
francês.
O britânico The Guardian diz que “corrupção e assassinatos não são
novidade no Brasil”, mas que, com um caso tão grave sendo levado a julgamento,
acende-se uma esperança de que algo mude. O jornal dedica boa parte da
reportagem sobre mensalão, publicada em 2 de agosto, para relembrar dois casos
recentes de violência contra quem tenta fazer justiça no Brasil. Eles narram o
caso do assassinato em julho do investigador da Polícia Federal que atuou na
investigação de Carlinhos Cachoeira e das ameaças recebidas pelo juiz que
trabalhava no caso.
O editorial do El País afirma que os brasileiros são tolerantes
com a corrupção. “Eles dizem em pesquisas não tolerar a corrupção entre os
políticos, mas logo votam neles sem problemas. Lula mesmo foi reeleito no ano
seguinte da explosão do escândalo do mensalão”, diz o jornal espanhol. “Uma
sentença exemplar, além de macular o legado de Lula, contribuiria para
enfraquecer a arraigada cultura da corrupção e da impunidade dos poderosos no
Brasil.”
FONTE: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/imprensa-internacional-mensalao-ameaca-legado-de-lula
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