A asma é a doença crônica mais comum na infância e ataca desproporcionalmente os pobres. Até um terço das crianças vivendo em abrigos públicos americanos têm asma alérgica, na qual um alergênico específico desencadeia uma avalanche de eventos que causam inflamação, constrição das vias nasais e dificuldades de respiração.
Agora, usando um modelo experimental que exigia deixar as imaculadas condições do laboratório e se aventurar pela vida real, uma equipe de cientistas da Escola de Medicina da Universidade de Boston descobriu qual é esse alergênico. Daniel Remick pode estar perto de desvendar os mistérios da asma.
“Para crianças da cidade”, disse o pesquisador-chefe, Daniel G. Remick, um professor de patologia, “a principal causa da asma não são grãos de poeira, pêlos de cachorros ou o pólen do ar externo. A principal causa da asma é alergia a baratas."
Remick e colegas (então na Universidade de Michigan) publicaram seu primeiro artigo em 2002, após desenvolver o modelo por diversos anos. Seu laboratório ficava em Detroit, onde, como em muitas outras cidades, os abrigos públicos sofriam com a infestação de pragas. A equipe fez visitas a casas com um antigo instrumento de coleta de dados: o aspirador de pó. “Nós coletamos poeira de casas – grandes bolas de poeira –, adicionamos água, deixamos que se misturassem durante a noite e retiramos os detritos da mistura, até obtermos um extrato”, disse Remick, hoje com 56 anos. O extrato foi recheado com proteínas de Blattella germanica – a barata comum –, cujos detritos e exoesqueleto se tornam aéreos após sua morte. De volta ao laboratório, camundongos foram expostos às partículas. Após serem injetados, eles ficaram imunologicamente preparados: seus sistemas de resposta celular entraram em alerta.
Quando expostos às mesmas partículas pela segunda vez, dessa vez por inalação, os sistemas em alerta partiram para o ataque. Camundongos que estavam respirando facilmente tiveram dificuldade em expirar, e sua respiração desacelerou – o equivalente a um ofegar para roedores. Eles estavam sofrendo ataques de asma.
Análises de seus pulmões mostraram que suas vias aéreas estavam entupidas de leucócitos, principalmente de um tipo chamado granulócito eosinófilo, que causa secreção de muco, danos a tecidos e alterações na capacidade de contração muscular. Camundongos num grupo de controle, expostos a partículas de poeira ao invés de proteína de baratas, não mostraram nenhuma das alterações respiratórias ou patológicas. A equipe reproduziu seus resultados em diversos locais; bolas de poeira diferentes, mesma reação alérgica.
“Estamos bastante empolgados”, disse Remick numa entrevista, “pois esta é a primeira vez em que alguém realmente coletou coisas de casas onde as crianças têm asma."
Pesquisadores não envolvidos diretamente com os estudos disseram também estar animados.
“Isso é algo inteligente”, disse o Dr. Lester Kobzik, professor de patologia da Escola de Medicina de Harvard. “Ele coletou o cruel material ao qual as pessoas ficam alérgicas de verdade”.
“Você não pode ligar para seu fornecedor químico de reagentes científicos e dizer: ‘Gostaria de 500 gramas de exatamente a mesma poeira caseira’,” continuou Kobzik. “Remick tinha uma boa quantidade, então conseguiu realizar experimentações equivalentes a vários anos e estudar tudo cuidadosamente”.
O Dr. Peter A. Ward, professor de patologia dos Serviços de Saúde da Universidade de Michigan, que recrutou Remick para residência há quase 25 anos, chamou o trabalho de “provavelmente a coisa mais próxima em modelos animais à simulação do que se pode ver na asma humana."
A maior parte das pesquisas laboratoriais de asma usa proteínas geneticamente criadas para induzir sintomas em ratos; muitas vezes, as proteínas são retiradas da clara do ovo. Isso é cientificamente satisfatório, mas menos relevante na vida real. A clara de ovo (a que os humanos raramente se tornam alérgicos) tem pouco em comum com a poeira urbana que as crianças frequentemente inalam.
Usando o mesmo modelo de ratos, Remick hoje está estudando os efeitos de diversos tratamentos contra asma, incluindo os medicamentos antiinflamatórios chamados de inibidores de fator de necrose tumoral, como Remicade e Enbrel. Os remédios, já utilizados contra artrite reumatóide e inflamação no intestino, parecem atrapalhar um importante composto imunológico que atrai eosinófilos.
E uma estratégia mais exótica também está sob investigação. Alguns anos atrás, quando Jiyoun Kim, colega de Remick, apresentou resultados do modelo de ratos numa conferência profissional na Coreia, um membro da platéia perguntou se ele havia ouvido falar no tradicional tratamento chinês a base de ervas. Ele levou amostras de ervas aos Estados Unidos, e em ratos elas mostraram bloquear a eotaxina, um composto que desencadeia reações asmáticas. As ervas chinesas trazem o aroma e o romance de uma solução simples sem os rigores dos testes federais para medicamentos. Mas Remick avisa que é preciso ter cuidado. “O poder e o problema com os remédios chineses baseados em ervas”, disse ele, “ é que eles têm mais de um ingrediente ativo – eles têm dúzias. Sabemos que eles bloqueiam a eotaxina, mas não sabemos tudo que eles bloqueiam, ou o que realmente torna as coisas melhores."
O que complica o tratamento é a doença; a asma possui muitos mecanismos. “Pode haver 50 processos inflamatórios diferentes acontecendo”, continuou Remick. “Ainda estamos no processo de definir precisamente qual parte das ervas bloqueia qual parte da reação inflamatória."
Ainda assim, pais esperançosos, atraídos por tratamentos com ervas, geraram alguns momentos de angústia aos pesquisadores. “Ontem”, disse Remick, “fui contatado por alguém cujo colega de trabalho queria saber se deveria usar ervas chinesas para tratar a asma da filha. Eu imediatamente respondi que não. Não é uma questão de medicina ocidental contra medicina oriental. Outros medicamentos contra asma estão mais bem definidos hoje em dia. As ervas não deveriam estar na linha de frente”. (Flonte: G1/Ciência e Saúde)
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