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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

PARTITURAS EM BRAILLE

LOUIS BRAILLE
Interpretar notas musicais grafadas em uma partitura é tarefa banal para um músico. Porém, quando o instrumentista é deficiente visual essa atividade se torna muito mais complicada, sem contar os inúmeros obstáculos enfrentados durante o processo de aprendizagem musical.
Entender como um deficiente visual aprende a ler partituras pelo método Braille e analisar o ensino de música e os recursos disponíveis para essas pessoas foi o tema da tese de doutorado “Do toque ao som: ensino da musicografia Braille como um caminho para a educação musical inclusiva”.
O trabalho foi defendido e aprovado na quarta-feira (10/2) por Fabiana Fator Gouvêa Bonilha, no Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com orientação do professor Claudiney Rodrigues Carrasco, do Departamento de Música. “A motivação da pesquisa surgiu da minha própria experiência”, contou Fabiana, que é bacharel em música e deficiente visual desde o nascimento.
Ela explica que o trabalho é a ampliação de sua dissertação de mestrado, intitulada “Leitura musical na ponta dos dedos: caminhos e desafios do ensino de musicografia Braille na perspectiva de alunos e professores” e concluída em 2006.
Tanto no mestrado como no doutorado a estudante contou com apoio de bolsas da FAPESP. Durante o mestrado ela entrevistou estudantes de música com deficiência visual e coletou suas percepções sobre o processo de aprendizagem. Entre as conclusões, Fabiana levantou que há poucos espaços de formação que atendem às necessidades dos deficientes e a demanda por esses cursos é grande. Essas dificuldades a fizeram voltar para o problema da inclusão musical dos deficientes visuais durante o doutorado.
A fim de compor a tese, a estudante analisou todo o processo a ser percorrido por um deficiente visual que quer ter uma educação formal em música, a começar pelo desafio de encontrar ou transcrever partituras para o código Braille. Para que a transcrição seja bem-sucedida, é fundamental a figura do transcritor. “Ele tem que ser um especialista tanto em música como em Braille”, apontou. Essa atividade pode ser desempenhada tanto por pessoas que enxergam como por deficientes visuais, de acordo com Fabiana.
Uma das maiores contribuições do estudo foi a formação de um acervo de cerca de 50 partituras vertidas para o sistema Braille durante a pesquisa. Esse material já está disponível no Laboratório de Acessibilidade da Biblioteca Central César Lattes da Unicamp.
“A maioria dessas composições é brasileira. Isso é importante porque podemos fazer um intercâmbio trocando partituras em Braille com instituições de outros países”, disse.
A partitura transcrita, no entanto, é apenas o início do processo para o estudante com deficiência visual. Fabiana explica que a musicografia em Braille exige muito mais do estudante.
Os símbolos musicais impressos em tinta são convencionalmente grafados em cinco linhas, chamadas de pentagrama. Uma composição para piano, por exemplo, utiliza ao mesmo tempo dois pentagramas, um para cada mão, e um acima do outro para indicar a simultaneidade de algumas notas. 
Uma partitura em Braille, por sua vez, contém apenas caracteres resultantes das combinações entre seis pontos salientes. O músico deve interpretar as notas ao toque dos dedos e ler cada linha separadamente e assim inferir a simultaneidade das mãos do piano, por exemplo.
“É preciso um grau de abstração muito maior e uma sólida formação musical”, disse Fabiana. Isso além de uma boa memória, uma vez que o instrumentista deve decorar toda a partitura antes de executá-la.
A pesquisa obteve um levantamento qualitativo baseando-se em três experiências: o aprendizado de musicografia Braille de dois deficientes visuais e a capacitação de um professor de música para ensinar um aluno com deficiência visual.
Como pré-requisito, Fabiana selecionou casos em que os envolvidos tinham conhecimento musical prévio e que o desafio, portanto, seria introduzi-los ao sistema de notação musical em Braille.
Os alunos escolhidos eram aprendizes de instrumentos distintos: violão e teclado, o que exigiu adaptações específicas, pois as partituras desses instrumentos são diferentes.
Fabiana conseguiu traçar algumas diferenças no aprendizado entre deficientes visuais congênitos (de nascença) e os que adquiriram a deficiência ao longo da vida.
Entre as pessoas com deficiência visual desde o nascimento, por exemplo, está a maior prevalência do chamado ouvido absoluto, que é a capacidade de identificar tons musicais em sons isolados. Isso ocorre porque a deficiência congênita impõe ao indivíduo uma dependência dos sons desde muito cedo. “A importância do som nesses casos é muito maior, pois ele dá toda a referência do espaço”, disse.
Segundo ela, nesses casos a estrutura neuronal é formada logo na primeira infância, visando enfatizar a audição. “Pesquisas mostram que algumas regiões do córtex visual são realocadas para processar sons nos cérebros de deficientes visuais congênitos”, disse. Também para esses, o reconhecimento tátil é mais desenvolvido. “O Braille torna-se o primeiro código de escrita, enquanto que na deficiência adquirida é travado um processo de readaptação à realidade”, comparou.
Ao desenvolver a pesquisa, Fabiana colecionou uma série de arquivos sonoros que compreendiam aulas, além de depoimentos de deficientes visuais e de professores de música.
“Achei esse material rico demais para ser guardado e elaborei um roteiro para unir esses arquivos em um audiodocumentário”, conta. Quando o seu orientador ouviu o piloto, incentivou-a a gravá-lo em estúdio. O resultado é um documentário de cerca de dez minutos com uma trilha sonora adaptada pela própria doutoranda, e efeitos produzidos por equipamentos Braille além das vozes captadas ao longo da pesquisa.
O objetivo da produção, segundo ela, foi retratar a concepção de um deficiente visual. Por esse motivo, propositadamente, a estudante não quis utilizar imagens. “Esse áudio tornou-se a síntese sonora da pesquisa”, afirmou.
O orientador do trabalho, Claudiney Carrasco, considera que a tese de Fabiana é relevante em vários aspectos. “É a primeira contribuição de peso na pesquisa em musicografia braille no país e abre um amplo campo para que mais gente pesquise e contribua nessa área”, afirmou.
O professor da Unicamp também ressaltou o aspecto da inclusão inerente da pesquisa. Para ele, o trabalho traz resultados práticos que vão auxiliar professores de música a interagir com alunos deficientes visuais. “É realmente uma inclusão, não se trata só de aceitar o aluno cego e deixá-lo se virar sozinho. Fabiana propõe um trabalho voltado a atender às necessidades desse estudante", disse.
É justamente a inclusão do deficiente visual no ensino regular de música a principal conclusão da tese, de acordo com Fabiana. Para ela, não são necessárias escolas especializadas em deficientes, mas que as instituições de ensino regulares se adaptem a esses alunos.
Para isso, explica a musicista, seria fundamental a participação de três personagens nesse processo: um professor de música especialmente preparado, um aluno consciente e motivado e um especialista transcritor que possa fornecer material de estudo de qualidade para o processo. Com esses elementos, a grande demanda por instrução musical por parte de deficientes visuais pode começar a ser atendida, aponta.
Audiodocumentário sobre o ensino da musicografia Braille: www.agencia.fapesp.br/audiodocumentario.
(Fonte: FAPESP)

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