HÁ DÚVIDAS QUANTO AO PÚBLICO-ALVO?
A iniciativa da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em regular a publicidade de alimentos não saudáveis tem provocado uma discussão intensa no mercado.
Na matéria "Vai ser difícil engolir", publicada na edição desta semana da revista Exame (Editora Abril), os dois principais argumentos dos representantes de mercado contra a proposta da Anvisa é a de que a nova regra seria radical, seguindo o modelo do que foi aplicado contra a indústria de cigarro, e de que ela inviabilizaria a campanha publicitária de alimentos no Brasil.
Para o Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana, é possível chegar a um consenso se houver disposição para o diálogo e para a transformação. "As empresas e as agências de publicidade resistem porque sabem que terão de mudar completamente a forma como vendem os seus produtos. Isso significa, entre outras coisas, não mais se valer da vulnerabilidade infantil para criar fidelidade de marca", explica Isabella Henriques, coordenadora geral do Criança e Consumo.
Ela afirma que a maneira como as estratégias de marketing têm sido conduzidas até agora fere uma série de direitos garantidos às crianças e ao consumidor de modo geral. "O próprio Código de Defesa do Consumidor condena a publicidade que se aproveita da ingenuidade das crianças e, de acordo com a nossa Constituição, as questões comerciais não podem prevalecer aos direitos da criança ou ao direito de todo cidadão à saúde."
O debate a respeito dos impactos da comunicação mercadológica vem se fortalecendo em todo o mundo. Já há um entendimento da comunidade científica de que, embora a obesidade seja causada por diversos fatores, a publicidade tem forte influência no aumento do problema.
Pesquisa realizada na Universidade de Oxford (Inglaterra), de março de 2009, revelou que uma em cada sete crianças norte-americanas obesas não teria problemas de sobrepeso se não tivesse sido exposta a publicidade de alimentos não saudáveis na TV. Assim, a questão não se restringe apenas ao mercado publicitário, já que se tornou um problema de saúde pública que preocupa as autoridades. Só no Brasil, são mais de 4 milhões de crianças obesas. Nos EUA, onde até então havia uma política mais branda e liberal com relação às estratégias de marketing, o quadro também começou a mudar. Além do trabalho incessante de organizações no combate ao consumismo infantil, como é o caso da Campaign for Childhood-Free of Commercial (CCFC), recentemente a primeira-dama Michelle Obama lançou uma campanha nacional de combate à obesidade infantil, que afeta mais de 30% das crianças norte-americanas. A obesidade triplicou no país nos últimos 30 anos. De acordo com o jornal The New York Times, a Casa Branca já assegurou a cooperação da indústria alimentícia. Na semana passada, fabricantes de refrigerantes publicaram um acordo de autorregulamentação em que se comprometem a deixar de vender a bebida em escolas nos EUA.
Outra celebridade engajada no combate à obesidade é o chef de cozinha inglês Jamie Oliver. Em 2009, ele idealizou a série de TV "Food Revolution" alertando para os problemas de saúde consequentes do consumo excessivo de alimentos industrializados e pouco saudáveis.
Na mesma linha, o também inglês Jimmy Doherty demonstra os segredos por trás do alimento processado. Com relação às estratégias de marketing da indústria alimentícia, dois documentários revelam os impactos da publicidade no consumo de alimentos com alto teor de açúcar, gorduras e sal. O mais recente, "Food Inc.", foi candidato ao Oscar em 2010 e mostra que os hábitos alimentares mudaram mais nos últimos 50 anos do que nos 10 mil anos anteriores. O filme ainda revela que existem, em média, 47.000 tipos de alimentos nos supermercados. Com tamanha competição, a indústria passa a buscar mercados e apela para a publicidade infantil, com o objetivo de conquistar consumidores cada vez mais cedo.
Já o documentário canadense "The Corporation", de 2003, debate a forma como as empresas encontram de se comunicar com seus públicos-alvo em busca de lucro. O filme, que tem roteiro de Joel Bakan e direção de Mark Achbar, traz entrevistas com diversos especialistas, incluindo a psicóloga Susan Linn, diretora do CCFC e palestrante nas três edições do Fórum Internacional Criança e Consumo.
No ano passado, 22 empresas da indústria brasileira de alimentos assumiram um compromisso público para restringir as estratégias de marketing infantil. A iniciativa das empresas, quase todas multinacionais, acompanha o que suas matrizes têm feito fora do Brasil. A maioria já era signatária de acordos similares nos EUA e na Europa e mantinha um duplo padrão de conduta ao tratar consumidores brasileiros de forma diferente. (Fonte: institualana/projetocriançaeconsumo)
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