Um roteiro clássico de filme policial tem o promotor, o prefeito e a imprensa convencidos de que identificaram o assassino, e só falta tirar o culpado de circulação. Porém, um detetive solitário, geralmente atormentado por seus próprios demônios, pensa que eles têm o homem errado e o verdadeiro assassino está solto pronto para atacar novamente.
Este é o cenário que se desenrola há décadas na caça para pegar o alimento responsável pela epidemia de doenças cardíacas, obesidade e diabetes. Desde a década de 70, a maioria das autoridades de saúde e cardiologistas colocou a gordura no corredor da morte, mas agora a pressão para perdoá-la tem crescido por parte de cientistas.
Em vez das gorduras, pesquisadores renomados têm indicado os carboidratos, particularmente os refinados e o açúcar, para o banco dos reús. Há vários estudos, que remontam aos anos 60, que não encontraram ligação com corte de gordura na dieta e redução do risco de doença cardíaca, embora alguns apontem isso.
A última testemunha de defesa é uma grande análise, publicada em março que diz: "Não há qualquer evidência significativa para concluir que a gordura saturada está associada a um risco aumentado de doenças cardiovasculares". E se trata de uma investigação séria, publicada na "Revista Americana de Nutrição Clínica", envolvendo 21 estudos e quase 350 mil pacientes.
Além do mais, autores afirmam que a substituição de gordura saturada por mais carboidratos faz com que todos os fatores de risco para infarto e diabetes piorem.
"Isto é impressionante", diz Dariush Mozaffarian, da Escola de Medicina de Harvard. "É o que temos feito há anos. Praticamente todos os alimentos de baixo teor de gordura dos supermercados levam adição de açúcar para torná-los mais palatáveis".
Investigação do próprio Mozaffarian sugere que os óleos vegetais poli-insaturados ômega 6, como o de grão de soja, podem reduzir o risco de infarto. Parte do processo de acusação contra a gordura saturada é que ela aumenta os níveis de colesterol total. No entanto, esta ideia "não é baseada em dados", diz Meir Stampfer, professor de nutrição e epidemiologia na Escola de Saúde Pública de Harvard. O ponto é que, apesar de elevar os níveis de colesterol ruim, o LDL, a gordura também aumenta a taxa da fração boa, o HDL.
O dossiê acusando o açúcar de ser uma ameaça muito mais grave à saúde do que as gorduras já está bastante robusto. E mais uma evidência apareceu no mês passado num grande estudo com 6 mil adultos, confirmando que a adição de açúcar aos alimentos processados ou preparados não é boa coisa.
O efeito disso, curiosamente, não havia sido estudado. Médicos da Universidade de Emory descobriram que a adição de açúcar afetava dois marcadores de risco de doença cardíaca: eleva os triglicerídeos e reduz o HDL.
E mais dois estudos no mês passado reforçam a relação entre o consumo de carboidratos refinados e a maior chance de problema no coração. Um deles constatou que mulheres que comiam mais pão branco, croissants e bolos corriam perigo. Estes são alimentos de alto teor glicêmico, ou seja, carboidratos facilmente absorvidos e que rapidamente elevam a glicose. A outra pesquisa relacionou o uso de adoçante de frutose a um aumento na pressão arterial dos homens.
Mas qual é exatamente a forma de agir dos carboidratos? Segundo o cientista Michael Shechter, da Universidade de Tel Aviv e pioneiro no estudo do que acontece nos vasos, alimentos de alto teor glicêmico causam grande estresse na camada interna das artérias.
"Isso talvez explique, pela primeira vez, por que os carboidratos de alto teor glicêmico afetam a progressão de doença cardíaca", afirma Shechter, cujo estudo foi publicado na revista da Academia Americana de Cardiologia.
Os promotores no caso reconhecem que existem gorduras boas e ruins. E dizem que já recomendam óleos extraídos de vegetais e peixes.
O problema é que as autoridades têm sido lentas em reconhecer os malefícios dos carboidratos, diz Charles Clarke, membro do Colégio Real de Cirurgiões de Edimburgo.
(Fonte: Jerome Burne-The Independent/SIS.SAÚDE)
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