"Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma" - a frase famosa, que imortalizou o químico francês Lavoisier, pode ser bem aplicada à proposta do projeto coordenado pela professora Regina Coeli dos Santos Goldenberg, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Em sua pesquisa, ela busca fontes alternativas de células-tronco em material até então desprezado: o sangue da menstruação. "Nossos resultados preliminares sugerem que o sangue menstrual, material que seria perdido, é boa fonte de células-tronco", adianta a pesquisadora.
Conforme esclarece Regina, a coleta do sangue menstrual é semelhante à da urina. As voluntárias recebem o coletor, contendo anticoagulante e antibiótico, e devem recolher o sangue após 24 horas do início da menstruação. Neste exato momento, é preciso fazer a higiene íntima para minimizar o risco de contaminação.
Com o material em laboratório, Karina Dutra Asensi, aluna de iniciação científica, isolou as células-tronco mesenquimais para serem utilizadas na pesquisa.
De acordo com a pesquisadora, célula-tronco é uma denominação para todas as células que apresentam capacidade de se diferenciar em diversos tecidos do corpo.
Elas podem ser encontradas em dois estágios: embrionárias, presentes naturalmente no embrião humano e que têm máxima potencialidade, sendo capazes de formar qualquer tipo tecido. E adultas - encontradas, por exemplo, na medula óssea, sangue, fígado, cordão umbilical, líquido amniótico e placenta -, que apresentam diferenciação limitada. As mesenquimais estão entre elas.
Devido a essa característica, as células-tronco são alvo de muitos estudos pelo mundo. Elas são testadas na recuperação de órgãos frequentemente danificados por doenças degenerativas e traumas, incluindo as cardiovasculares, as hepáticas, as hematológicas, as neurodegenerativas, diabetes tipo 1, acidentes vasculares cerebrais e traumas na medula espinhal.
Regina explica que a motivação para seu estudo foi perceber que, apesar do grande volume de pesquisas, não há um padrão de excelência. "Observamos que os resultados são variáveis quanto à eficácia das terapias usadas atualmente. Além da rejeição, uma possível explicação é que células provenientes de determinado tecido podem ser mais adequadas para uma doença do que outras e vice-versa", diz a pesquisadora.
Ela afirma que a medula óssea ainda representa a principal fornecedora de células-tronco. A vantagem de sua utilização é que não há rejeição, visto que o transplante é autólogo, ou seja, o material celular é puncionado da medula do próprio paciente. Contudo, em 10 anos de pesquisas com esse tipo celular, os resultados das terapias, aplicadas a algumas enfermidades não hematológicas, apontam benefícios "tímidos" ou transitórios.
Por isso, segundo Regina, há uma forte tendência de a comunidade científica buscar novas fontes, que de preferência não sejam invasivas, como a punção, e que mantenham taxas de rejeição baixas. Para ela, as células-tronco mesenquimais do sangue menstrual atendem às expectativas. "O sangue menstrual é um material descartado, que é obtido sem gerar prejuízos ou desconforto", afirma. "Há estudos que mostram que células-tronco mesenquimais apresentam uma espécie de privilégio imunológico e, portanto, não seriam rejeitadas quando injetadas nos pacientes", explica.
A professora conta que há duas linhas de pesquisa com as células-tronco derivadas de sangue menstrual. Uma delas é avaliar seu uso como camada alimentadora, utilizada para cultivar células-tronco embrionárias no estado indiferenciado. "Antes de serem aplicadas em terapias, as células embrionárias precisam expandir, sem que haja diferenciação celular. E isso é feito, in vitro, com o auxílio da camada alimentadora, que libera fatores para o seu crescimento", explica Regina.
Ela destaca que, atualmente, o método frequentemente empregado é o cultivo de células-tronco embrionárias em fibroblastos de camundongo. Porém, o uso desse tipo de camada alimentadora é incompatível com a clínica, pois não se pode utilizar, em pacientes, células contaminadas com material de origem animal.
Por isso, segundo Regina, a aluna de iniciação científica, Danúbia Silva dos Santos, realizou um estudo comparativo para investigar se as células-tronco derivadas do sangue menstrual seriam capazes de substituir os fibroblastos de camundongos. "Os resultados são conclusivos: elas mantiveram as células embrionárias em seu estágio indiferenciado, com eficiência comparável à camada alimentadora de origem animal, tornando-se uma nova alternativa", diz.
Paralelamente, outra linha de pesquisa, que ficou sob responsabilidade do pós-doutor Deivid Carvalho Rodrigues, avalia a eficiência da reprogramação de células-tronco derivadas de sangue menstrual ao estágio de células-tronco embrionárias.
"Há, na literatura, estudos que reprogramaram fibroblastos adultos, mas com eficiência extremamente baixa e lenta. Nossos resultados mostram que a reprogramação em células derivadas de sangue menstrual foi mais rápida e mais eficiente", conta Regina. Fibroblastos são células predominantes da segunda camada da pele humana, a derme, que têm como uma de suas funções a produção de fibras, como colágeno e elastina.
A pesquisadora explica que a reprogramação é feita aplicando-se fatores de transcrição específicos para induzir que o material genético volte ao seu estágio inicial e indiferenciado. Para ela, "formar células embrionárias, que possuem máxima capacidade de diferenciação, a partir de novos modelos é importante para o avanço das pesquisas com células-tronco".
Para o ano que vem, Regina adianta que serão feitos estudos com as células embrionárias - reprogramadas a partir de células-tronco do sangue menstrual - em camundongos com lesões no coração e no fígado. O objetivo é avaliar sua eficácia como tratamento de doenças cardíacas e hepáticas.
As três etapas do projeto - isolamento, avaliação do seu uso como camada alimentadora e sua reprogramação ao estágio de células-tronco embrionárias - geraram trabalhos apresentados em congressos nacionais e internacionais sobre a temática de estudos com células-tronco. "Os nossos trabalhos, devido aos resultados inéditos, estão sendo bem recebidos pela comunidade científica. Além de apresentá-los em congressos, já recebemos um prêmio na XXIV Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental - FeSBE em 2009", conta Regina. "Esse reconhecimento mostra que estamos no caminho certo e, por isso, vamos avançar com as pesquisas", conclui.
Os primeiros estudos com células-tronco datam da década de 60. Embora já tenham se passado mais de 40 anos, pode-se afirmar que ainda falta muito para desvendar plenamente esse emaranhado terreno. Contudo, é fato que a cada nova pesquisa realizada e concluída, é mais um passo para ampliar os conhecimentos sobre a dinâmica das células-tronco e, consequentemente, suas aplicações terapêuticas.
(Fonte: diariodasaude.com.br)
Nenhum comentário:
Postar um comentário