A tecnologia de baterias poderá passar por uma revolução no futuro, mas, enquanto isso não acontecer, os combustíveis líquidos permanecerão como a forma de energia mais concentrada e eficiente disponível para suprir as necessidades da humanidade.
Utilizar a energia do sol para transformar os resíduos da combustão em insumos para a fabricação de novos combustíveis líquidos é o objetivo das pesquisas de um grupo de cientistas dos Estados Unidos, com coordenação de Nancy Jackson, presidente da Sociedade Norte-Americana de Química (ACS, na sigla em inglês).
Jackson apresentou nesta terça-feira (24/5), na 34ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química (SBQ), em Florianópolis, a conferência Sunshine to petrol: solar thermal conversion of carbon dioxide to liquid fuels (“Da luz do sol para o petróleo: conversão termal solar de dióxido de carbono em combustíveis líquidos”).
Formada na Universidade George Washington em 1979 – ano em que ingressou na ACS –, Jackson concluiu seu doutorado na Universidade do Texas, em Austin, em 1990. Atualmente, é gerente do Departamento de Redução de Ameaças do Centro de Segurança Global dos Laboratórios Nacionais Sandia.
A equipe de seu laboratório já está trabalhando na engenharia do reator capaz de utilizar a energia solar para transformar o dióxido de carbono – produto da queima de combustíveis como gasolina e etanol – em monóxido de carbono, que pode ser utilizado na produção de combustíveis. A reação, portanto, corresponde exatamente ao inverso da combustão.
Agência FAPESP – Por que investir em pesquisas voltadas para a produção de combustíveis líquidos?
Nancy Jackson – Os combustíveis líquidos são muito importantes por várias razões. Uma delas é que, levando em consideração o peso e o volume, há uma energia muito concentrada nesse tipo de combustível. Eles são muito melhores que baterias, que são muito pesadas. Os combustíveis líquidos são leves e densos em termos energéticos. Essa capacidade de armazenar energia explica em parte por que os combustíveis líquidos são uma boa alternativa.
Agência FAPESP – A densidade energética dos líquidos, então, é insuperável?
Nancy Jackson – Sim, pelo menos até o dia em que houver um salto tecnológico revolucionário no desenvolvimento de baterias. Outro fator que torna os combustíveis líquidos muito importantes é a facilidade de transporte. É muito fácil transportar líquidos, porque eles podem fluir e ser bombeados em canos por muitos quilômetros, sem precisar de veículo algum. Eles permitem utilizar a infraestrutura instalada e as tecnologias existentes.
Agência FAPESP – Infraestrutura de transporte?
Nancy Jackson – Sim, podemos aproveitar a infraestrutura já pronta para transportar os combustíveis e utilizá-los em todo tipo de necessidade energética. E, em relação à tecnologia, refiro-me aos motores. Temos motores muito eficientes para o uso de combustíveis líquidos. O problema é que não podemos depender do petróleo para sempre, porque ele vai acabar, ou se tornar muito caro ou impraticável para explorar. Por isso estamos trabalhando no projeto Sunshine to petrol.
Agência FAPESP – Qual é o objetivo do projeto?
Nancy Jackson – Estamos tentando utilizar o dióxido de carbono e submetê-lo ao calor do sol concentrado para atingir temperaturas realmente altas. Com isso queremos transformar dióxido de carbono em monóxido de carbono, retirando um átomo de oxigênio da molécula.
Agência FAPESP – Como isso é feito?
Nancy Jackson – Desenvolvemos um reator, com um disco de mais de quatro metros de diâmetro, que capta a luz solar e utiliza seu calor para provocar a reação. O dióxido de carbono é uma molécula muito estável, por assim dizer, muito “preguiçosa”. É difícil fazê-la mudar. É preciso gastar uma grande quantidade de energia para reagir com o que quer que seja. É por isso que estamos tentando usar o sol para alterá-la, para fazer então um combustível líquido. O processo inclui uma série de outras reações muito bem conhecidas e compreendidas. Mas o verdadeiro segredo, o que realmente estamos fazendo de novo, é transformar o dióxido de carbono em monóxido de carbono.
Agência FAPESP – Isso é a combustão reversa?
Nancy Jackson – Sim. Quando usamos combustíveis em nossos carros, o monóxido de carbono é queimado e transformado em dióxido. Estamos fazendo o oposto, como se fosse uma combustão reversa. É uma estratégia de reciclagem. A ideia é poder reciclar o dióxido de carbono várias e várias vezes, produzindo combustíveis a partir do resíduo dos combustíveis.
Agência FAPESP – Só os combustíveis líquidos poderão gerar o dióxido de carbono para ser utilizado no reator?
Nancy Jackson – De modo algum. Nos Estados Unidos, temos a maior parte da energia elétrica baseada em carvão. Queimando carvão, temos uma quantidade gigantesca de dióxido de carbono. Achamos que podemos utilizar o dióxido de carbono que sai das chaminés, transformando-o em combustíveis líquidos. Também temos muito dióxido de carbono quando fermentamos a cana-de-açúcar para fazer etanol. Para cada molécula de etanol, é produzida também uma molécula de dióxido de carbono.
Agência FAPESP – Seria então uma estratégia ideal para ser utilizada em combinação com várias alternativas energéticas?
Nancy Jackson – Isso mesmo. O método seria empregado em conjunto com o uso de etanol de cana-de-açúcar, carvão, gás natural, plantas e assim por diante. Quando se queima tudo isso, é gerado o dióxido de carbono. Há outros grupos de pesquisa que estão aprendendo como separar o dióxido de carbono a partir do ar. É o que as plantas fazem: usam o dióxido de carbono do ar para crescer. Então há diferentes maneiras para conseguir o dióxido de carbono. Essas tecnologias já existem.
Agência FAPESP – Qual será o aspecto desse novo combustível líquido?
Nancy Jackson – Vai ser como o diesel, ou o etanol. Não muito diferente do que temos agora, mas o processo de obtenção é que será muito diferente.
Agência FAPESP – Quanto tempo essa tecnologia levará ainda para ser implementada?
Nancy Jackson – Provavelmente precisaremos de mais uns quatro anos de desenvolvimento de engenharia. Em seguida, entrará o período necessário para o desenvolvimento e o processamento em escala. Estamos falando em algo como sete ou oito anos.
Agência FAPESP – O conceito já está desenvolvido e o que falta é a engenharia e o escalonamento?
Nancy Jackson – Sim. Há ainda muitos desafios, porque a temperatura de que precisamos para mudar o dióxido de carbono, que é tão estável, é tão alta que isso torna difícil a tarefa de definir materiais. Muitos deles não aguentam altas temperaturas e, se esquentamos e esfriamos sucessivamente, a maior parte dos materiais tende a não resistir. Há muitos desafios. O primeiro passo é o mais difícil. E é isso que estamos fazendo agora.
(Fonte: Fábio de Castro - http://agencia.fapesp.br/13931)
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