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quinta-feira, 1 de julho de 2010

TRABALHO INFANTIL

A indústria tabagista, que fatura cerca de R$ 16 bilhões ao ano e deixa para os cofres públicos outros R$ 8 bilhões em impostos, só consegue alcançar essas cifras ao custo do trabalho árduo de 80 mil crianças nas lavouras de fumo da Região Sul do país. Além delas, os familiares, aproximadamente 1 milhão de trabalhadores, vivem em condições semelhantes à de escravos. A constatação é do Ministério Público do Trabalho de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul.
Segundo uma investigação que durou cerca de dez anos e a que o Correio teve acesso, esses agricultores produzem quase que unicamente para quitar dívidas com as empresas que os contratam, obtendo apenas o mínimo para a subsistência.
Na argumentação do Ministério Público, diversas histórias de lavradores são relatadas. Uma delas, do estudante Jean Lucas de Carvalho, 8 anos. A criança caiu de uma carroça e faleceu. Foi atropelada enquanto ela e o tio, o agricultor Dorneles de Carvalho, 31, transportavam o fumo que tinham acabado de colher juntos. “Esse tipo de situação, de crianças trabalhando, é comum na cultura do fumo”, afirma Amadeu Antonio Bonato, do Departamento de Estudos Socioeconômicos Rurais do Paraná (Deser), pesquisador que acompanhou os procuradores durante parte das investigações. “A gente constatou que a fumicultura oferece uma renda muito baixa. Menos de dois salário mínimos mensais. Em função disso, o produtor obriga a colocar toda a família para trabalhar. Eles têm muita dificuldade de contratar mão de obra externa e por isso colocam as crianças na lavoura”, acrescenta Bonato. 
A relação entre as empresas e os agricultores vira escravidão, segundo o Ministério Público, por meio de financiamentos. A indústria pega o empréstimo em nome do produtor, vende os insumos para ele e com o dinheiro que o agricultor deveria receber pela safra, quita a dívida com o banco. Enquanto o débito não é pago, o homem do campo tem de continuar a produzir. “Normalmente, a empresa fornece esses insumos e é avalista de crédito. Em contrapartida, assume o compromisso de comprar toda a safra. Quando a indústria recebe a produção, libera parte do pagamento ao produtor e retém a parcela do banco. Eu desconheço que isso possa se comparar a uma relação escrava. É apenas um contrato comercial”, garante Heitor Petri, vice-presidente da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), também citada pelo Ministério Público.
O pesquisador do Deser discorda da avaliação de Petri. “Em nenhum momento do financiamento o agricultor vê o dinheiro”, afirma Amadeu Bonato. “Em uma pesquisa recente constatamos que 73% dos agricultores não continuariam produzindo se tivessem outra opção. Falta mão de obra e não há dinheiro suficiente. Acontece o conflito dos quereres: ele quer sair, mas não pode. Está preso à produção de fumo. Tem de continuar produzindo para pagar a dívida senão vai ser processado e pode perder seu único bem, a propriedade em que planta fumo e vive com a família”, argumenta.
No caso dos financiamentos para investir nas propriedades, a relação é de longo prazo. “A empresa faz um financiamento e constrói uma estufa, por exemplo. Ela mesmo paga o pedreiro e os equipamentos. O produtor paga a fumageira de forma parcelada, por um financiamento, o que significa que ele fica amarrado com a empresa por 10 ou 20 anos”, explica Amadeu Bonato.
Os representantes das empresas e os citados na investigação do Ministério Público discordam das acusações. Para eles, tudo é apenas uma relação comercial normal. “Não concordamos com nada do que foi escrito pelos procuradores. Não existe nada de trabalho escravo na cultura do tabaco. O assunto do trabalho infantil, estamos combatendo isso há mais de 10 anos. Na propriedade, o produtor toma as atitudes que quiser. As decisões são dele”, afirma Iro Schünke, presidente do Sindicato das Empresas de Tabaco (Sinditabaco).
Segundo ele e outros dirigentes do setor, o contrato de compra e venda prevê uma série de protocolos para evitar práticas ruins na cadeia produtiva do fumo. Ainda assim, os problemas acontecem. Quanto à situação análoga à escravidão, eles garantem que não existe. “Temos um contrato claro de compra e venda. Não há nenhum vínculo trabalhista. O financiamento é porque se trata de pequenos produtores rurais, na sua grande maioria minifundiários. Eles têm muita dificuldade de conseguir recursos por não terem como oferecer garantias. As empresas apenas intermediam a negociação, assinando como avalista”, Iro Schünke.
(Fonte:Victor Martins-Correio Braziliense/Rede ACT)

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