Ele era um homem perigosíssimo que usava roupas sujas e que carregava para todo lado um enorme saco velho – quase sempre de estopa – dentro do qual escondia crianças após roubá-las de seus pais.
Não precisa dizer que todas as crianças morriam de medo desse ícone da maldade e evitavam sempre qualquer contato com alguém que guardasse a mínima semelhança com essa figura.
O Velho do Saco poderia lhe oferecer balas ou chicletes na saída da escola para “drogá-lo” e transformá-lo em uma vítima fácil de ser colocada dentro do saco (não deveria ser por acaso que os sacos nunca se mexiam!).
Não era complicado identificar o nosso inimigo: Era homem? Velho? Estava mal vestido? Carregava um saco? Bem, não se aproxime, é ele e com certeza é perigoso!
Mas e hoje, onde estará o Velho do Saco? Não será ele o responsável pelo uso do crack pelos jovens? Infelizmente, ele parece ter “sumido do mapa” e, se “bobear”, também está fumando crack por aí.
Então, quem será o nosso Velho do Saco Moderno? Não conheço nenhum caso de um jovem acordar em um belo dia e dizer: “Hoje não tenho nada de interessante para fazer... Acho que vou animar o meu dia experimentando uma pedra de crack... Vai ser legal!” Também desconheço histórias em que um traficante bate na porta de alguém e oferece o crack como quem está oferecendo um bilhete premiado da loteria: “Compre esta pedra de crack e ganhe de brinde este belo cachimbo!”.
Não se engane, ninguém é apresentado às drogas pelo crack. Observa-se que os dependentes dessa substância também são, em sua maioria, dependentes de tabaco e de maconha e, vários deles, dependem ou abusam de álcool. Eles começaram o uso de substâncias psicoativas pelas drogas lícitas: álcool e tabaco e não foi com traficantes, mas com amigos, colegas ou mesmo com seus pais.
O Velho do Saco Moderno é aquele pai ou mãe que acha “perfeitamente normal” as festas de adolescentes serem “regadas” a bebidas alcoólicas (afinal, para muitos, cerveja não é álcool!), ou aqueles que se dizem orgulhosos por seus filhos escolherem a mesma marca de cigarro da sua preferência, ou ainda os que pensam que “enquanto for só maconha, tudo bem”.
O Velho do Saco Moderno é o professor que fuma seu “cigarrinho” na hora do recreio ou o amigo de infância que criou um blog a respeito do uso medicinal da maconha ou, quem sabe, os nossos heróis que morreram de overdose...
O Velho do Saco Moderno não é mais velho, nem feio e nem mesmo tem um saco...
Ele é tão anônimo, que é anônimo para si mesmo, não se reconhecendo como tal... Assim, qualquer um de nós pode ser um Velho do Saco e não fazer a menor ideia disso...
Devemos, portanto, se quisermos de fato “lutar” contra o que chamam de “A epidemia do crack”, identificar o quanto estamos contribuindo para incentivar o uso de drogas entre os nossos jovens e, o mais importante, o quanto desse “Velho do Saco” existe em cada um de nós.
(Fonte: texto de Renata Brasil Araujo, Doutora em Psicologia, coordenadora do Programa de Dependência Química do Hospital Psiquiátrico São Pedro/Jornal Zero Hora/ABEAD)
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